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A vida depois de… Reencontrar o filho após 20 anos de separação

O cabeleireiro Marcelo De Mari perdeu contato com o filho quando ele se mudou para o Japão com a mãe. A última semana marcou um reencontro há muito esperado pelos dois, quando o menino veio (re)conhecer o pai, em Brasília

atualizado

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Gabriel Ramos/Metrópoles
Marcelo de Mari
1 de 1 Marcelo de Mari - Foto: Gabriel Ramos/Metrópoles

O cabeleireiro Marcelo De Mari tinha 18 anos quando recebeu da namorada, dez anos mais velha, a notícia: “Você vai ser pai”. A gestação precoce para o quase adolescente foi bem recebida. Ele só não imaginava perder, seis anos depois, o filho num sem-fim de endereços e telefones no Japão. A história de Marcelo, que ele diz ser “comum” e “deve ter um monte como a minha” – é dessas de reencontros cinematográficos.

Marcelo e a namorada se conheceram em Londrina, onde moravam na época. Tiveram um relacionamento breve, mas Michael, fruto do encontro dos dois, levava uma vida comum em família na cidade paranaense. Passava tardes com os avós, era muito ligado a uma tia, irmã do pai. Aos seis anos, sua mãe decidiu ir atrás de novas oportunidades na terra dos antepassados, quando o governo japonês resolveu liberar a entrada de descendentes diretos em busca de mão de obra numerosa e barata. Marcelo protestou. Pediu que o menino ficasse. Não teve acordo.

Depois da mudança, pai e filho nunca mais se viram ou se falaram. A mãe do menino mudou de endereço algumas vezes, chamadas via smartphone ainda não eram uma possibilidade nos anos 1990 e, entre distância física e saudade, a primeira acabou ganhando o cabo de guerra. Marcelo perdeu o filho no mapa, literalmente. Se mudou para Brasília, refez a vida. Do outro lado do planeta, o menino cresceu portando apenas uma foto do pai, de braços dados com a mãe.

Inconformado com a separação, Marcelo chegou a fazer uma certidão de nascimento do menino à revelia da ex-namorada. “Mas registrei errado. Coloquei o nome japonês no feminino, em vez do masculino”, lembra. Ainda que a distância tenha terminando o contato, nunca deixou diminuir o seu senso de paternidade.

De volta pra casa
Há três anos a história começou a dar sinais de que teria final mais feliz. Cabeleireiro, Marcelo atende sobrenomes importantes num salão de beleza no Lago Sul. Um deles, foi nomeado na época para assumir a Embaixada brasileira no Japão. “Ele me disse ‘eu vou achar seu filho’. E uma semana depois, me passou um telefone de contato”.

Michael e a mãe estavam morando em Okasaki, cidade próxima à Toyota, lugar sede da montadora de veículos onde trabalha. Quando ouviu a voz do filho pela primeira vez, mal conseguiu se comunicar. Michael sofreu um acidente grave de moto há 10 anos, ficou meses em coma no hospital entre a vida e a morte e, quando se recuperou, não tinha mais memória da língua portuguesa.

Durante as primeiras conversas, era a mãe quem traduzia as saudades de um e de outro. Michael comprou um smartphone e fez uma conta no Facebook. Três anos depois, ainda tem a impressão de que não conseguiu colocar em dia 20 anos de vazio.

“Somos desconhecidos conhecidos”, ele diz. Duas pessoas que se conhecem como ninguém e mal sabem da vida um do outro (ainda). Quando retomou o contato com o pai, Michael deu um jeito de reaprender a língua materna. Providenciou uns áudios que pedem ao ouvinte repetir frases à exaustão e conta com a ajuda da mãe nas traduções mais difíceis. Funcionou. Mas acha que a avó fala muito rápido. “Eu peço a ela, “mais de-va-gar, de-va-gar”, conta rindo.

Desde que retomou o contato com o menino, hoje um homem de 29 anos, Marcelo planeja o abraço que só pode dar na última semana, em Brasília. A princípio, era ele quem iria até o Japão. Mas um problema de saúde lhe secou as economias e a viagem acabou ficando fora de questão por mais um tempo. Paciente, juntou mais dinheiro e esperou uma oportunidade melhor aparecer.

Gabriel Ramos/ Metrópoles

Enquanto isso, matava a saudade do menino pelas redes sociais e as chamadas de vídeo pelo telefone. Um pouco em português, um pouco com a ajuda da mãe de Michael como tradutora de coisas que às vezes nem ele conseguiu colocar em palavras. Há alguns meses, viu passagens do Japão para o Brasil estavam baratas, em função de uma promoção especial para os Jogos Olímpicos do Rio. A oportunidade havia chegado. Ele e Michael se reencontrariam.

“O momento mais marcante foi a chegada”, resume o pai. O abraço guardado há 23 anos foi bem dado. “Deve ser ainda seja mais forte para ele do que para mim, porque para mim é uma pessoa. Para ele é todo mundo”, conta Marcelo, se referindo às tias, primos e parentes também presentes para recepcioná-lo no aeroporto. Michael concorda com a cabeça. “Lembrei da minha tia. Ela cuidava de mim quando era criança. Quase…” e faz um sinal de lágrimas escorrendo com as mãos.

Em Brasília, os dias foram breves, mas intensos. No Japão, férias não são exatamente um conceito muito definido e os sete dias que Michael passou no Brasil podem ser considerados verdadeiro luxo. Provou a gastronomia, viu a arquitetura, a Torre de TV, o churrasco da família. Pai e filho descobriram: nem dois países com culturas tão diferentes conseguiram apagar o que só o sangue explica. Dividem os gostos pela comida, pelo design e até pelas roupas. Só divergem na música – pai vai de rock, Michael de hip hop, mais popular entre os jovens japoneses.

“Um dia escolhemos a mesma roupa. Eu separei à noite, em cima da minha mala uma camisa, para usar no outro dia. De manhã quando nos olhamos, estávamos iguais”, Michael se diverte.

Os dois receberam a reportagem do Metrópoles no dia da despedida. Dali a algumas horas, dariam o abraço no aeroporto que marcaria o novo recomeço da relação dos dois. Para o Japão, Michael levaria novas fotografias para o álbum onde tinha apenas a imagem embaçada do pai nos anos 1980 e planos de retornar para a terra natal. Se não para morar, para visitar a família. “Não quero ir embora…”, lamentou.

“É tanta coisa que a gente quer fazer. São trinta anos em uma semana. Muita coisa”, emenda Marcelo, num suspiro. Os dois só esperam que o próximo abraço não demore mais 20 anos.

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