A vida depois de… perder o marido e a filha em um acidente de carro
Uma grave batida na estrada, voltando de Caldas Novas, deixou Alcelia 18 dias na UTI. O marido e a filha morreram. Após uma experiência de quase morte, ela encontrou forças para voltar ao trabalho, à rotina e continuar vivendo
atualizado
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O 29 de setembro sempre significou muito para a família Moraes. Neste dia, em 1989, nascia Rayssa, a primogênita da psicóloga Alcelia Maria Silva Moraes e do marido Gutemberg. Mas, 24 anos depois, em 2013, no mesmo 29 de setembro, Alcelia perdeu a família. Ela, Gutemberg, Rayssa e um casal de amigos voltavam de Caldas Novas quando um grave acidente de carro tirou a vida dos quatro ocupantes e a deixou à beira da morte.
Eles eram acostumados a viajar, principalmente quando o destino era a cidade goiana. Gutemberg, um motorista extremamente cuidadoso, dirigia super bem. Quando os amigos de Santos, Pedro e Solange, vieram visitar a família, o casal Moraes fez questão de levá-los para conhecer Caldas Novas. Rayssa não queria ir, mas a mãe insistiu para que ela não passasse o aniversário sozinha. O filho mais novo, Rodrigo, 22 anos, não foi porque tinha que trabalhar.“Passamos o final de semana lá. Na volta, começou a chover, então paramos para lanchar. Comemos coxinha, empadão, pastel, balas e chicletes. Parecíamos crianças felizes. Liguei para a pessoa que estava fazendo o bolo de Rayssa para avisar que atrasaríamos. Saímos da lanchonete, estávamos todos de cinto, ainda estava chovendo, e não lembro de mais nada. Acordei 18 dias depois em um hospital”.
Próximo de Luziânia, o carro atingiu um guard-rail, rodou na pista por alguns instantes e foi atingido por um caminhão. Gutemberg, Pedro e Solange morreram na hora. Alcelia e Rayssa foram levadas para o hospital em estado grave. Após sete dias, durante a segunda cirurgia, Rayssa não resistiu. Rodrigo decidiu doar os órgãos da irmã, que ajudaram 12 pessoas e é motivo de orgulho para a família.
“Quebrei o corpo inteiro, dos pés à cabeça. Fiquei 18 dias em coma, passei por três hospitais, 60% da minha face é enxerto e perdi a sensibilidade do lado esquerdo do rosto, fiquei sem andar, sem falar, perdi uma parte da língua, com isso não consigo sentir sabor, tive perda óssea em alguns dentes, e ainda sinto dificuldade para subir escadas e ficar muito tempo em pé. Os médicos não tinham esperança que eu fosse sobreviver”, conta Alcelia.
A primeira pessoa que a psicóloga viu quando abriu os olhos foi o filho Rodrigo. Ele saiu gritando pelo hospital que a mãe estava acordada. Depois de tantos dias, o hospital inteiro, além de amigos e familiares, estava fazendo uma corrente de orações. Durante todo seu tratamento, antes de ter alta do hospital, Alcelia não ficou nem um momento sozinha. Fazia fisioterapia até cinco vezes por dia. Sem saber da morte dos familiares e amigos, ela perguntava sempre sobre o estado de saúde dos outros ocupantes do carro.
No dia que foram me contar da morte do meu marido e da minha filha, lembro que entrou uma comitiva no quarto. Foi um choque muito grande, não esperava mesmo. Pensava que os outros estavam se recuperando também. Me sustentei com muita fé, muito Deus.
Alcelia Moraes
Após mais de 60 dias no hospital, Alcelia teve alta. A casa foi decorada com faixas, cartazes, balões, para recebê-la, e muitas pessoas estiveram presentes. Ela lembra que cada acontecimento, cada evolução em seu estado era celebrado por tudo e por todos, inclusive por ela que sempre foi uma pessoa muito alegre. “Tive que reaprender tudo. Queria falar e não conseguia. Coisas básicas como ficar em pé eram muito difíceis. Andei de cadeira de rodas, andador, muleta, até que consegui pisar sozinha”, relembra.
Em fevereiro de 2014, por insistência da própria, Alcelia voltou a trabalhar, ela é analista do Serpro há 36 anos. O médico tinha receio e achava prematuro, mas a psicóloga argumentou que precisava conviver com gente, caso contrário “iria pirar”, disse. A vontade era de fazer algo que realmente gostava.
“Retomar a vida profissional não significa que a pessoa tenha superado, que não esteja sofrendo, mas é preciso enfrentar. Faz parte”, explica.
Os amigos do trabalho a receberam com muito afeto. Alcelia confessa que não imaginava ser tão amada. As demonstrações de carinho e orações vieram de todas as partes do Brasil. Familiares, amigos, conhecidos, pessoas da igreja e até gente que não eram tão próximas faziam questão de demonstrar afeto e companheirismo. Por todo esse amor ela é muito grata e diz que sem todo o apoio que recebeu teria sido mais difícil.
Após três meses da volta ao trabalho, o médico resolveu liberar a analista para viajar. O destino era certo: Recife, sua terra natal. O filho Rodrigo foi acompanhando e ela teve a oportunidade de agradecer aos amigos e familiares por todo o apoio prestado após o acidente.
Outra atividade que retomou foi o trabalho na Paróquia São José Operário. Católicos, Alcelia e o marido eram muito ativos nas atividades da igreja. Ela encontra conforto e acredita que o marido esteja muito contente por ela continuar com algo que os dois gostavam tanto de fazer. Ela já vai a casamentos, aniversários e datas comemorativas, mas assume que ir sem o marido é bem diferente.
Em maio de 2014, Alcelia foi até São Paulo encontrar Larissa e Nathalia, filhas de Pedro e Solange. “Conheço elas desde que nasceram. Foram mais de 20 anos de amizade com seus pais. Almoçamos juntos, conversamos, nos emocionamos. Eles são como família, estaremos juntos sempre”, se emociona ao falar.
A psicóloga ainda não conseguiu arrumar o quarto da filha, está quase como Rayssa deixou. Do casamento de 36 anos com Gutemberg só restou boas lembranças. “Somos, éramos — ainda não sei que verbo usar — parceiros, amigos, companheiros de tudo. Ele me mimava muito, sinto falta de verdade. A gente viajava muito, passeava muito. A vida mudou demais”, relembra com lágrima nos olhos.
A morte não é o fim. O amor não morre junto, pelo contrário, parece que cresce cada dia mais. Ele é o grande amor da minha vida, nada muda isso.
Alcelia Silva Moraes
Do acidente, ela ainda consegue tirar algumas coisas positivas: “Fui muito feliz, mas tive que aprender a viver de novo, pois não sei conviver com a tristeza. Tenho meu filho, aprendi a ter fé, a acreditar em Deus, nas pessoas, ter força interior, não me fazer de coitadinha e me desafiar cada vez mais”, desabafa.
E o maior dos desafios pode acontecer no sábado (9/1), dia do aniversário de Alcelia. Para comemorar a data, ela e Rodrigo estão pensando em voltar, pela primeira vez depois do acidente, a Caldas Novas.