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A vida depois de… ficar surda de repente

Maria José de Almeida alimentava os gatos quando parou de escutar de repente. A surdez súbita pode ou não ter cura e afeta qualquer pessoa

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1 de 1 270417 FM A vida depois de ficar surda repentinamente 001 - Foto: Felipe Menezes/Metrópoles

Há dois meses, o mundo silenciou de repente para a psicóloga Maria José de Almeida. Não saía som da TV. Lá fora, os carros trafegavam sem emitir um ruído sequer. Ninguém respondia do outro lado do telefone. A surdez súbita é um diagnóstico raro, pouco conhecido da população, mas, segundo especialistas, pode pegar qualquer um de surpresa: homens, mulheres, jovens e velhos, gente doente e gente saudável. No dia 20 de fevereiro passado — ela se lembra da data com exatidão — pegou Maria José. E quase a enlouqueceu.

“Uma coisa é você já nascer cego, ou já nascer surdo, ou ir perdendo a audição aos poucos. Mas, de repente, é ruim demais”, ela sublinha. Descreve o momento em que deixou de ouvir com precisão: dava comida aos gatos de tarde quando escutou um estampido em um dos ouvidos.

Em seguida, foi a visão que ficou turva. Colocou a mão em um dos ouvidos — o esquerdo ela sempre teve apenas 60% da audição. Normal. Quando repetiu o movimento do outro lado, percebeu que o ouvido “bom” de bom já não tinha nada. Estava surda.

“Liguei para uma amiga e comecei a chorar muito. Ela dizia ‘calma, será que não foi um barulho lá fora muito forte?’ Mas não era. A surdez foi piorando. Fiquei desesperada”, conta.

O diagnóstico veio na emergência de um hospital da Asa Sul. “Eu tinha certeza que era um tumor no cérebro que havia crescido muito e afetado o ouvido”, ela lembra. Não era tumor. Mas as notícias da médica de plantão também não foram muito animadoras. Uma audiometria confirmou que a psicóloga de 66 anos tinha perdido parte da audição de súbito e que o quadro “poderia” ser revertido com tratamento.

“Eu chorava muito, não dormia à noite, pedia orações a todo mundo, orava o tempo inteiro.”

Maria José de Almeida

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Maria José sempre teve mania de ouvir TV pela casa com fones de ouvido sem fio. Tem dois — um no quarto, um na sala. “São potentes, paguei uma nota”, diz. Depois do incidente, num lapso de memória, botou um dos fones para ouvir ao jornal. Chegou a se lamentar que o fone havia quebrado. “Quando lembrei que eu é que estava surda, voltei a chorar”, conta.

2 casos em 100 mil
A surdez súbita é caracterizada pela perda repentina de audição em período de pelo menos 72 horas com comprovação por um exame de audiometria, onde se mede decibéis em três frequências diferentes. Segundo a otorrinolaringologista Márcia Voltolini, da clínica Otorrino DF, a estimativa é que afete entre 2 e 5 pessoas a cada 100 mil. “Não é frequente, mas não é uma estatística tão rara assim”, avalia.

O problema pode ou não ser revertido, depende da rapidez no início do tratamento e da causa que, algumas vezes, nunca chega a ser descoberta. “Pode ser um tumor, uma inflamação, um problema na microcirculação do ouvido, em que uma bolha impediu a chegada de sangue ao local… Só conseguimos saber em 10% a 20% dos casos”, avisa.

Com ou sem causa, o importante é que o tratamento seja feito logo. Muitas pessoa, explica a médica, demoram a procurar um especialista porque pensam que os sintomas são temporários ou que é apenas água que entrou durante um banho de piscina. “Geralmente o problema acontece apenas em um ouvido e a sensação é zumbido. O mais comum é que a pessoa chegue ao consultório se queixando que está com o ouvido ‘tampado’”, explica.

O tratamento é feito com anti-inflamatórios e dura não mais que alguns dias. No entanto, é impossível saber se vai ser eficaz ou não. As audiometrias futuras é que vão dizer.

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No caso de Maria José, lá se vão quase três meses desde que os sintomas apareceram. Um dos exames detectou que a psicóloga havia perdido completamente a capacidade de ouvir do lado direito. Com a ajuda de remédios e até de um procedimento cirúrgico, recuperou o suficiente para ouvir “chiados” quando alguém fala ao seu lado, como ela descreve.

A esperança do médico que trata Maria José é de que o tratamento lhe traga de volta 40% da audição — na “língua” da paciente, já que médicos falam em decibéis. O aparelho auditivo que ela usa hoje em fase de adaptação deve acompanhá-la pelo resto da vida. No futuro, deve usar também no outro ouvido.

O susto quase acabou com a alegria de viver de Maria José. A raiva espirrou em outras pessoas com as quais convivia e as relações passaram a ser na base da “patada”, ela diz. Mas, passado o pior, deixou ensinamentos sobre valorizar a vida nos detalhes, como o simples fato de poder ouvir.

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“Cheguei até a dizer que não iria mais para a igreja porque Deus não existia. Mas ele existe, porque sei que tem gente que não recupera. Ou fica cego, tem uma doença grave, um câncer… A gente sempre acha que o nosso problema é maior do que o do outro. Por que reclamar? Hoje eu estou feliz da vida.”

Maria José de Almeida


Os fones de ouvido caros de Maria José voltaram à ativa e, com eles, os telejornais dos quais não consegue ficar sem. “Hoje, quando eu estou bem triste e quero ficar bem alegre, coloco meu fone de ouvido e ligo a TV. Maior alegria é escutar a televisão”, comemora.

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