A vida depois de… encontrar um anjo da guarda
Antes de ser chef de cozinha, Carlos Braga era manobrista em um restaurante. Ele dirigia para clientes até em casa, por cortesia. Até que um deles se ofereceu para pagar sua faculdade de gastronomia e realizar o sonho
atualizado
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Enquanto as mãos cuidadosas de Carlos Braga preparam receitas elaboradas, seu rosto ilumina-se. A satisfação em executar cada detalhe é nítida. Ser chef de cozinha é a realização de um sonho antigo. Antes de se formar, era manobrista no Piantella. Nos intervalos, via os colegas chefs em ação e se encantava pelo talento deles.
Algumas limitações o separavam da profissão que admirava. Tinha ensino médio completo, mas pensava que faculdade não era para ele. “Minha mãe sempre dizia que eu devia estudar, mas trabalhava muito, a grana não dava e não sobrava tempo”, lembra.
Carlos tinha bom relacionamento com os clientes do restaurante. Quando a Lei Seca entrou em vigor, passou a levar alguns deles para casa, como motorista, por cortesia. A vida dele começou a mudar a caminho da casa de um cliente, o engenheiro civil Marcos de Almeida Castro.
Ele quis saber quais eram os planos de Carlos para o futuro. O manobrista mencionou que sempre quis estudar, mas que não tinha dinheiro, nem tempo. “Marcos me contou que ele ralou muito para chegar aonde chegou, que trabalhava e estudava ao mesmo tempo”, revela.Quando estacionou o carro na porta da casa do engenheiro, ouviu a proposta que transformaria sua vida. “Escolha uma faculdade, qualquer curso, eu vou pagar os seus estudos. Mas tenho uma condição: se você reprovar, nosso acordo será desfeito”, disse Marcos.
Marcos de Almeida Castro
Não fiz para ganhar nada em troca. Foi apenas solidariedade. Eu acredito no ser humano e reconheço que, se as pessoas tiverem uma chance, elas podem mudar de vida
A princípio, o manobrista não acreditou na proposta. “Achei que ele estava blefando”. No ano seguinte, após a morte da mãe, decidiu estudar e mudar o rumo da sua história, como ela sempre pedia. “Procurei o Marcos para saber se a oferta dele era séria. Ele confirmou que sim e fez o compromisso de ajudar na minha educação”, conta aliviado.
Passou no vestibular do Iesb e concluiu o curso de gastronomia, em dois anos. Marcos depositava religiosamente parte do dinheiro da mensalidade. O restante foi custeado pelo pai de Carlos, que fez questão de também ajudar. Quando se formou, ele comprou um presente para agradecer ao seu anjo da guarda. “Além de Deus, tive três anjos na minha vida: meu pai, minha mãe e o Marcos”, diz.
Solidariedade é algo muito raro. Ele não é da minha família, não ganhou nada com isso e me ajudou mesmo assim. Agradeço a ele todos os dias da minha vida
Carlos Braga
Depois de se formar, Carlos trabalhou como chef em Angola. Na volta ao Brasil, chegou a primeiro cozinheiro no restaurante Mocotó, do chef Rodrigo Oliveira, em São Paulo, o 16º na lista dos 50 melhores da América Latina, em 2014.
Temos um carinho muito especial pelo Carlos, que demonstrou ser um excelente profissional tecnicamente, além de muito responsável, inteligente e cooperativo. Ele é um amante da gastronomia brasileira e trabalhador, apenas como os bons e fortes são
Diógenes Sampaulo, gastrônomo e um dos gestores do Mocotó.
Carlos também fez parte da equipe do Clos de tapas, em SP, comandado pelo empresário Marcelo Fernandes, considerado um dos maiores descobridores de talentos do país e incentivador da carreira de Alex Atala. Em Brasília, foi chef no Balada Mix.
Aos 37 anos, agora ele sonha em ter o próprio restaurante. Enquanto não acontece, faz parte da equipe do projeto Pretexto – Comida e Afeto, ao lado do chef Marcos Lelis, que promove jantares para pequenos grupos de amantes da gastronomia.
Também pretende lançar dois food trucks – um de churrasquinho e outro de comida brasileira variada – e uma food bike de bebidas. Carlos que aproveitar ao máximo a oportunidade que a vida lhe deu.