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A vida depois de… Descobrir a mediunidade aos 4 anos de idade

A cantora Elizabete Lacerda nasceu e cresceu em berço católico, no interior de Minas Gerais. Até os 18 anos ela precisou manter em segredo a mediunidade, com a qual convivia desde os 4

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Elizabete Lacerda
1 de 1 Elizabete Lacerda - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Elizabete Lacerda, de 52 anos, tem lembranças vívidas da infância em Abaeté, cidade mineira a 200 quilômetros de Belo Horizonte com pouco mais de 22 mil habitantes. Em uma das memórias, conta de uma criança da cidade que, com menos de 7 anos, desenvolveu uma doença grave. Para desespero da mãe, a menina parou de comer. Mal se alimentava a não ser que fosse pelas mãos de Elizabete.

“Eu dava comida para ela, mas não era minha mão. Não consigo explicar, mas é como se fosse uma senhora ali, no meu braço, alimentando a menina. Na época eu não entendia, mas depois soube que era uma mãe espiritual que cuidava dela por meio de mim”, conta Elizabete. Naquela época, ela convivia muda com sua mediunidade, descoberta aos 4 anos de idade. Não entendia direito e nem queria. Tinha medo de ser dada como louca, ser enclausurada num manicômio.

Se hoje o assunto ainda é tabu e soa quase como bruxaria para alguns, volte algumas casas para décadas atrás, em uma cidade no interior de Minas Gerais, em família de berço (muito) católico. Falar sobre as sensações, visões ou vozes com as quais convivia não era uma opção. Um tio-avô espírita, médium como ela, não era lá muito bem visto pelos parentes. Foi ele quem, mais tarde, lhe estendeu a mão para ajudá-la a entender o que acontecia.

 

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Aos 4 anos, a vida ainda começa a fazer sentido. As palavras, a ideia de mundo, os laços, os significados das coisas, pessoas e sentimentos. Para Elizabete, tudo se misturava um pouco. Os mundos visível e invisível aos seus olhos, eram todos tocáveis, reais. “Para mim era normal”, lembra, sobre as primeiras visões. “Eu achava que todo mundo via aquilo. Por exemplo, eu achava que uma senhora, que pensava ser uma bruxa, morava na parede do meu quarto. Morria de medo dela, mas achava que tudo bem, que ali era onde as bruxas moravam”.

Elizabete é o que, no espiritismo, se chama de “médium ostensivo”. Os espíritas entendem que todos, em maior ou menor grau – mesmo que imperceptível – sejam médiuns. Alguns, no entanto, possuem um canal escancarado de comunicação com o outro plano, algo tão óbvio que é impossível ignorar, fechar os olhos ou fingir que não está acontecendo. Por medo de represálias e julgamentos, Elizabete lutou para manter a sua em segredo por toda a infância e adolescência.

Até os 18 anos, frequentou a igreja católica com os pais sem achar que isso fosse ruim ou algum tipo de sacrifício. “Eu precisava de uma religião”, diz. Depois que aprendeu a tocar violão, aos 10 anos, passou a cantar no grupo de jovens. Aos domingos, em troca de amendoim, peregrinava com o padre nas redondezas da cidade cantando versos da Bíblia em cultos a pessoas que não podiam se deslocar até a igreja. “Elas choravam emocionadas, era uma coisa forte. Mas eu não sabia ainda direito o porquê, achava que estava muito ruim”, ri.

“Era isso ou o hospício”
Aos 17 anos, Elizabete se casou pela primeira vez. O marido e a família dele também eram bastante católicos. Emancipada, decidiu que era hora de afrouxar os laços com a antiga religião e ir em busca de respostas para perguntas acumuladas durante todo esse tempo.

Era isso ou o hospício. Acho que se eu sou mais ou menos normal é porque Deus gosta demais de mim, porque era para eu ter pirado mesmo. 

Elizabete Lacerda

Passou a frequentar escondida um centro espírita em Belo Horizonte – ela se mudou para a capital quando completou a maioridade. “Não que eu seja uma missionária, mas a mediunidade vem com uma missão, uma função. Tem uma passagem do evangelho que diz que não adianta nada esconder a luz debaixo de um armário”, lembra.

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Ali, vivendo quase que uma segunda vida, descobriu que não era loucura o seu problema. E nem problema o que ela tinha. Nos livros sobre o espiritismo, entendeu que a mediunidade era um presente, e que ela era um instrumento das tais entidades para ajudar outras pessoas.

Há 14 anos, deixou Minas Gerais e veio parar em Brasília, acompanhando o marido, transferido para a capital. Se formou em pedagogia e passou a ensinar crianças. Em sala de aula, teve oportunidades únicas de exercer a “missão” que recebeu, segundo ela acredita, de outras vida. “Tudo que era criança problemática caía na minha sala. Crianças com problemas de aprendizagem, psicológicos, físicos…”, conta. Um deles, guardou com carinho na memória.

A professora ensinava no segundo andar de uma escola, quando um aluno, paralítico da cintura para baixo, pediu para entrar na turma de Elizabete. A sala à qual ele tinha sido alocado ficava no primeiro andar, mais fácil para a mobilidade da cadeira de rodas. “Sei que ele insistiu tanto e a coisa ficou tão séria que tiveram que trocar a minha turma para o primeiro andar”, conta.

Elizabete olhava com estranheza para o menino na cadeira, completamente saudável, sem uma explicação razoável para sua imobilidade. Um dia, diz que uma voz lhe disse que o menino não tinha problema algum nas pernas, e que ela deveria questionar a família. Com aquilo na cabeça, se aproximou da mãe da criança, então, com 9 anos, e virou sua confidente.

Finalmente, descobriu que a mãe tinha forçado o menino àquela condição desde pequeno, para chamar a atenção do pai da criança para seu papel de mãe zelosa. O menino fez fisioterapia para aprender a caminhar e a mãe buscou na psicologia alento para suas dores internas.

A voz é o meio
Desde os tempos em que cantava na igreja e em troca de doces Elizabete nunca mais largou o violão. Ele só passou a ocupar um espaço um pouco menor quando ela se entregou à educação. Há alguns anos, deixou as salas de aulas para se dedicar exclusivamente à música.

Dos seus temas de “bem-estar e alegria”, como ela descreve, já nasceram nove álbuns. No repertório, músicas brasileiras consagradas e composições próprias dividem espaço com versos psicografados e temas religiosos que guarda desde os tempos de catolicismo. Elizabete diz que a consideram cantora espírita, mas ela jamais caberia num rótulo tão restrito.

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A voz suave da cantora já levou mais de 16 milhões de pessoas ao seu canal no YouTube. Durante a semana, ela empresta sua voz às sessões de cura nos centros espíritas que frequenta, em Taguatinga e na Asa Sul, mas é raro encontrá-la pela capital aos finais de semana. Em dezembro, ela sai em turnê pelos Estados Unidos. O carinho dos que foram fisgados pela sua música está espalhado em pequenos bibelôs pela casa. Anjinhos de porcelana, adereços de vidro, uma Hello Kitty que balança a cabeça e um dinossauro de brinquedo. Não há presente que não ganhe um espaço na varanda de Elizabete, ela diz.

As pessoas sentem necessidade de bem-estar. Espiritual, não físico.

Elizabete Lacerda

Elizabete diz que não vive da música. Tudo o que recebe da venda dos álbuns e das apresentações é revertido para a manutenção dos álbuns e obras sociais. “Acredito muito que isso não seja meu”, reflete. “Eu sou apenas o canal. Não teria coragem de comercializar”, continua.

Se em tempos passados, na vida em Abaeté, sua mediunidade era motivo de angústia e segredo, hoje ela é um caminho sem volta. Quem quiser caminhar ao seu lado, deve abraçar também esse mundo “oculto” que ela carrega consigo. Mesmo a família católica, lá em Minas Gerais, aprendeu a abrir – um pouco – a cabeça à sensibilidade de Elizabete. “Quando a coisa aperta com algum problema sério, eles me pedem para consultar ‘meus espíritos’”, ri.

Pouco depois de mudar para Brasília, desfez o casamento. O marido não quis, ou não aguentou dividi-la com esse “outro mundo”. Pensando que ele era o amor da sua vida, achou que fosse morrer. Não morreu. Há um ano, está de amor novo. Foi Deus quem o colocou no seu caminho, na exata hora em que precisava, acredita. Um fã que lhe mandou uma mensagem pelo WhatsApp e, sabe-se lá por que, ela teve vontade de responder. Casaram-se duas semanas depois.

“Hoje sou totalmente resolvida (com a mediunidade)”, diz. “Quando sento para rezar, fico constrangida. Digo ‘meu Deus, o senhor me deu tudo!’. Se eu puder pedir alguma coisa, quero mais vida. Muita vida para continuar trabalhando”.

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