A vida depois de… Deixar Cuba para ser médico do SUS no Brasil
Ramón Revuelta saiu de Havana em 2013, na primeira leva de profissionais do Programa Mais Médicos, e agora curte os últimos meses no Brasil
atualizado
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Quando o médico Ramón Revuelta Trujillo, de 46 anos, chegou a Brasília, em agosto de 2013, esperava de tudo, menos a sensação de “farinha na garganta” típica da seca na capital. “Cheguei a ter até faringite. Bebia água e a sede não acabava!” ri, já adaptado.
Revuelta deixou a capital de Cuba, Havana, onde nasceu e se formou, na primeira leva de profissionais que aterrissaram no Brasil pelo Programa Mais Médicos, do Governo Federal. Conhecia o país que viraria sua casa só pelas telenovelas, muito famosas por lá. “Avenida Brasil” estreava em Cuba na mesma época em que ele arrumava as malas para a temporada aqui.
O programa, criado na gestão de Dilma Rousseff, tem como objetivo resolver questões emergenciais do atendimento básico de saúde pelo SUS, especialmente onde há escassez de profissionais.
Muitos deles vieram “importados” de Cuba, sob protestos de alguns brasileiros, que acusavam o governo de privilegiar profissionais estrangeiros e de não exigir a qualificação necessária para eles atuarem no Brasil.
O programa foi renovado em setembro passado pelo presidente Michel Temer por mais três anos, mas quem veio em 2013 está de viagem marcada para casa. Hoje, segundo o Ministério da Saúde, o programa atende 63 milhões de brasileiros.
Se havia alguma hostilidade esperando por ele por aqui, no entanto, Revuelta nem viu. Diz que o Gama, onde vive – ele atende no Centro de Saúde 3 – o acolheu muito bem. No curso de formação, além do português, aprendeu o que é ser médico em terras brasileiras. Os pacientes deram conta de lhe ensinar o resto.
Quando você conhece a população é que você entende os problemas reais, as necessidades. Aqui as famílias têm muitos problemas, com drogas, com estrutura… Gosto de aconselhá-los também. O cuidado inclui também o social e o psicológico. No início, o paciente não tem confiança, mas depois ele se abre
Ramón Revuelta, médico cubano
Tanto que hoje muitos dos pacientes comunicam-se com o médico pelo WhatsApp. O “portunhol” de Revuelta hoje pende mais para o português do que para o outro lado, mas, no início, as diferenças no idioma causavam situações cômicas com os pacientes.
“Um deles uma vez me ligou pedindo: ‘Doutor, me ajuda, porque minha casa caiu!’. Eu fiquei desesperado achando que a casa dele tinha caído mesmo e que as pessoas que moravam lá estavam machucadas”, gargalha o médico.
Em clima de despedida – ele volta para Havana no primeiro semestre do ano que vem -, ele já começa a contabilizar as marcas que o Brasil vai lhe deixar: muitos amigos, alguns quilos a mais, provenientes de tantos convites para “tomar uma” depois do expediente, e a vontade de conhecer as praias.
“Nós não viemos aqui para criticar ninguém. Viemos para ajudar o país. Eu quero que os brasileiros tenham o melhor possível”, diz, comemorando a renovação do programa.
O cubano só teve problemas com uma colega enfermeira, que era contra o Mais Médicos no início. “As pessoas estranham e questionam porque alguns protocolos médicos muito usados em Cuba não são tão comuns aqui, mas depois que veem dando certo, mudam de ideia e até passam a fazer igual”, diz.