A vida depois de… controlar o destino com os olhos
O defensor público João Paulo Trindade começou a sentir os sintomas da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) em 2006 e hoje só movimenta os olhos. O problema não o impediu de ser ainda responsável pela organização das contas da casa e se tornar campeão de pôquer on-line
atualizado
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O diagnóstico de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença degenerativa que ataca o sistema nervoso, é bastante cruel. Junto com a notícia médica vem a certeza de sequelas gravíssimas e a inexistência de uma cura. Para muitos, uma verdadeira sentença de morte. O defensor público brasiliense João Paulo Trindade, 39 anos, passou por essa situação em 2006 e, naquele tempo, acreditou que sua vida iria virar pelo avesso. Quase 10 anos depois, ele se tornou prova viva de que é possível, sim, conviver com a ELA.
Ainda em 2006, começaram a aparecer os sintomas da doença. No início, os braços foram perdendo força. Em pouco tempo, João passou a ter que usar cadeiras de rodas para se locomover de um ambiente para o outro e logo pediu aposentadoria do local em que trabalhava. Quatro anos depois, após perder o movimento de todo o corpo, foi obrigado a permanecer em tempo integral numa cama. Por fim, em 2013, os órgãos respiratórios começaram a falhar, exigindo o acompanhamento de uma equipe médica e aparelhos ligados por 24 horas – levando-o a utilizar esquema Home Care, que permite todo o atendimento médico do paciente dentro de sua própria casa.A doença também impossibilitou que João pudesse falar, o que o obrigou a se comunicar de outras formas. A principal delas, bastante utilizada para ao diálogo com médicos e com sua esposa, consiste em decorar uma tabela em que cada número signifique uma letra. Para confirmar a letra desejada, ele pisca o olho. O método se tornou uma excelente alternativa e o casal revela que realizam longas conversas nessa maneira.
Família
Assim que soube o diagnóstico, resolveu contar a triste descoberta para a médica veterinária Yara Prado, 36, até então sua namorada, temendo que talvez o relacionamento chegasse ao fim naquele momento. Porém, os medos foram desnecessários: eles se casaram um ano depois, mesmo cientes de todas as dificuldades. “Meu amor por ele era muito maior do que qualquer problema que ele tivesse. Então, percebi que para que seguirmos em frente teríamos que nos adaptar à nova realidade. E foi o que fizemos”, conta. Hoje, o casal contabiliza 19 anos de união.
As limitações físicas não impediram João e Yara de terem filhos. Atualmente são três: Jéssica, 18, João Lucas, 4, e Jeovana, 2. Além disso, João ainda é a pessoa da casa responsável por cuidar das contas. “O problema físico não foi desculpa para que ele deixasse de usar sua mente. Hoje, toma boa parte das decisões familiares. Ele é o dono da casa”, diz a esposa. Um fato curioso ocorreu durante a visita da equipe de Metrópoles. Ao fim da conversa, o pequeno João Lucas pediu ao pai para ligar a TV e ver desenho. Um breve momento bastante tenso para o jovem se passou até que o pai piscasse o olho. Aos pulos de alegria, João Lucas se posicionou na cama próximo de seu pai e começou a assistir o programa no seu lado.
Com a doença do marido, Yara largou o emprego de veterinária e passou a trabalhar dentro de casa como maquiadora. Ainda que não soubesse na hora, a troca funcionou muito bem. Hoje, ela possui um estúdio dentro de casa – onde faz atendimentos personalizados – e seu perfil profissional do Instagram conta com mais de 42 mil seguidores. “Ele nunca me pediu para deixar minha carreira, mas fiz pela família. Sou recompensada por isso, pois felicidade, para mim, é acordar e ver todos que amo ao meu lado”, diz, emocionada.
Pôquer
Além de cuidar da família, João Paulo tem um hobby que vem ganhando contornos de esporte profissional. Ele é um exímio jogador de pôquer on-line. Além de ser vice-campeão em um torneio que contou com 1.240 jogadores, já transformou 50 dólares em 1.600 dólares em uma única partida.
Tal façanha é possível por causa de um software instalado em seu computador, que posicionado estrategicamente sobre a cama, próximo ao rosto, permite que João controle a tela somente com o movimento dos olhos. “Isso mantém minha cabeça ocupada. Faz muito bem para mim”, afirma o jogador pelo Whatsapp, que acessa também pelo computador.
A prática se tornou tão presente na vida de João que ele chega a organizar, mensalmente, encontros entre jogadores de pôquer na própria casa. A filha mais velha, Jéssica, se torna os braços do pai nas jogadas. “Criamos códigos para que ele me diga qual carta utilizar no jogo. Eu até sei as regras, mas ele é realmente especialista nisso”, diz a filha. E o dinheiro ganho? Sempre será revestido em fichas para novas partida, é claro. O jogo não pode parar.