A vida depois de… atropelar um diagnóstico pessimista
Aos 27 anos, Marconi Ribeiro era uma das grandes promessas do Brasil no ciclismo. Diagnosticado com disritmia cerebral, chegou a ouvir de médicos que nunca mais pedalaria novamente
atualizado
Compartilhar notícia
O ano era 2004. Na época, Marconi Ribeiro já era um ciclista consagrado no país. Estava entre os melhores atletas de mountain bike do Brasil. Poucos anos antes havia conquistado a quarta colocação no panamericano da modalidade, no México, e representado o Brasil no Mundial de mountain bike no Canadá.
De uma hora para outra, no entanto, os treinos de pedal pelas manhãs começaram a virar sessões de tortura. Marconi sentia fortes tonturas e a vista ficava turva de repente. Embrenhado em trilhas afastadas da cidade, onde costumava treinar para as competições, se rendia ao mal-estar e ao medo que a sensação causava. Mais de uma vez precisou pedir que um companheiro de treino o acompanhasse de volta para casa.
Foi um amigo atleta quem o levou à primeira consulta com um neurologista. Uma bateria de exames depois, ouviu que nunca mais poderia ficar sozinho ou andar de elevador sem companhia sob o risco de ter uma convulsão e não ser socorrido. Quem diria então pedalar. O sonho que Marconi havia construído desde pequeno, quando ganhou a primeira bicicleta, desmoronava ali, sem a menor cerimônia. Mal sabia ele que, dez anos depois, subiria novamente no pódio do panamericano de mountain bike. Dessa vez no lugar mais alto dele.
“Eu tinha uma filha de 1 ano, me passou um monte de coisa na cabeça. Nem entrar sozinho em um elevador eu poderia mais. Tive muito medo. Até que o meu amigo, que também é ciclista, falou para mim: ‘Po, cara, você viu? Ele disse que você não vai mais pedalar’”, lembra. Ele tinha 27 anos.
Marconi subiu pela primeira vez em uma bicicleta com 7 ou 8 anos – a data precisa lhe foge da memória. Enquanto os amigos jogavam futebol ou vídeo game, ele pedalava. “Andar de bicicleta era a minha brincadeira”, diz. A primeira competição de que participou foi no Mané Garrincha, no início dos anos 1990. Ele tinha 13 anos. Terminou na segunda colocação. “Lembro que eram poucos competidores, mas eram bem mais que dois!”, ri. “Eu não fui o último colocado”.
O então adolescente gostou da brincadeira. Continuou treinando sozinho e participando de algumas competições urbanas até 1994, quando conheceu as provas de mountain bike. Virou especialista na modalidade e passou a competir nos principais campeonatos do país, já com alguma visibilidade. Na maioria deles, ou chegava ao pódio, ou então bem próximo dele.
Em 2001, um pouco antes do trágico diagnóstico, desanimou. “Precisava cuidar da vida, ganhar dinheiro”, conta. Fez sociedade com o irmão, veterinário, e abriu um pet shop no final da Asa Sul. Trabalhando 12 horas por dia, deixou um pouco de lado o ciclismo, mas nunca abandonou completamente. Dois anos depois, quando conseguiu dividir os afazeres na loja com um gerente, voltou às competições.
Demorou seis meses para voltar a conseguir bons resultados nas provas. E mais seis para ouvir de um especialista que a carreira de atleta estava encerrada.
A volta por cima
Passado o susto inicial, Marconi decidiu procurar outro especialista, dessa vez por indicação de um amigo, um médico de confiança. Olhando os exames do atleta, o neurologista foi certeiro: o paciente tinha disritmia cerebral, um termo usado em medicina para descrever um conjunto de alterações cerebrais que frequentemente resultam em crises epilépticas e dores de cabeça. A notícia boa era que o problema era curável e, em vez de uma vida, o atleta só precisaria ficar afastado da bicicleta durante o período de tratamento, que não deveria passar de três anos.
Mesmo assim, não foi fácil. “Para um atleta, ficar dois dias sem treinar já é muita coisa. Imagina ficar três anos”, ele frisa. Os sintomas da doença desapareceram logo nas primeiras semanas de tratamento. Mas a mudança tão brusca na rotina fez com que o atleta caísse em depressão.
Demorou um pouco para cair a ficha do que seriam esses anos. Eu só queria dormir, não tinha ânimo para fazer nada. Continuei com o pet shop, mas tinha dias que nem aparecia lá para trabalhar. Fiquei um pouco perdido e chorava muito.
Marconi Ribeiro
Em 2007, dois anos e meio depois da primeira consulta, Marconi estava liberado para voltar ao ciclismo. Um ano depois, conquistou sua primeira vitória, o primeiro lugar no campeonato brasileiro de contrarrelógio, prova de velocidade. Em 2009, subiu no lugar mais alto do pódio seis vezes, em provas pelo Brasil inteiro. Na volta do Uruguai daquele ano, ficou em segundo lugar, um resultado mais do que comemorado para quem havia ficado tanto tempo longe dos treinos.
Hoje, Marconi enche a boca para dizer que apesar de todas as adversidades, coleciona nove títulos de campeão brasileiro de ciclismo, além de vários outros títulos mundo afora. Desde 2010, não falta a um único campeonato mundial de mountain bike. Aos 38 anos e há quase oito longe da doença, hoje ele percebe que o diagnóstico o deixou mais forte, no esporte e na vida.
Quando você está fora do esporte, consegue enxergar todos os seus defeitos dentro dele, as fraquezas. No fim, não perdi nada com a doença, só ganhei. Tanto fisicamente quando psicologicamente.
Marconi Ribeiro
Em 2010, Marconi decidiu cursar uma faculdade de educação física. Em 2013, uniu o conhecimento acadêmico com a vivência no esporte e montou uma assessoria esportiva, onde prepara atletas e iniciantes em ciclismo e corrida. Agora, treinando para o próximo mundial, na República Tcheca, em julho do ano que vem. No último, foi o único brasileiro entre os competidores.
Pedala em média duas horas por dia, seis vezes na semana. Chega a cumprir 480km por semana em pedalada. Deixou a doença e a depressão para trás. “Minha melhor fase no esporte é agora. E se depender de mim, não paro nunca. A ideia é pedalar sempre”.