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A vida depois de… aprender a ler aos 63 anos

Auxiliar de serviços gerais prova que nunca é tarde para se alfabetizar e ver o mundo de uma outra maneira

atualizado

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Foto: Michael Melo
Vida após aprender a ler
1 de 1 Vida após aprender a ler - Foto: Foto: Michael Melo

Aos 23 anos, Ideílton Soares Bispo – ou Maranhão, como prefere ser chamado – contrariou a vontade dos pais lavradores e tomou a iniciativa de se matricular na escola. Mas o plano de aprender a ler e a escrever não evoluiu. Quarenta anos depois, teve uma nova chance de se alfabetizar. E a velha desculpa de “o olho hoje não está bom” foi aos poucos sendo abandonada, a cada vez que alguém lhe pede para ler.

Maranhão foi pedreiro por 10 anos, antes de trabalhar como auxiliar de serviços gerais no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Foi lá que recebeu o incentivo de uma chefe para participar do programa “Vivendo e Aprendendo”, que alfabetiza adultos terceirizados do órgão.

Ela me disse que era hora de realizar meu sonho, um sonho que eu tinha contado para ela.

Maranhão

A chefe fez a matrícula e, no dia seguinte, ele foi à aula. Depois de duas semanas, o auxiliar de serviços gerais se sentiu perdido e decidiu que não continuaria no projeto. “Eu sabia pouco, quase desisti. Mas através do conteúdo que as professoras foram passando peguei firmeza e fui adiante”, fala, com lágrimas nos olhos.

 

Após oito meses intensivos de estudo, Maranhão chegou ao mês de maio deste ano fora da estatística que coloca 3,5% da população do DF – cerca de 68 mil pessoas – com mais de 15 anos como analfabetos. A turma de alfabetização do MPDFT começou com 15 alunos. Dez deles se formaram. Os outros cinco foram transferidos para outros órgãos e tiveram de sair da turma do Ministério Público.

Para frequentar as aulas, de segunda a quinta, das 13h às 15h, Maranhão tinha de almoçar meia hora mais cedo e era dispensado do trabalho durante o horário do curso. Sol forte e chuva torrencial nunca desviaram o caminho deste senhor. Ele seguia todos os dias, até mesmo com febre, da garagem do MP até o prédio sede, onde eram as aulas. Jamais faltou ao compromisso. Para agradecer tanto carinho e a chance que não desperdiçou, no último dia de aula, Ideílton deu presentes do Boticário às três professoras a quem chama de “diamantes”.

A minha experiência foi muito boa. Porque se eu não tivesse frequentado a sala de aula, eu não conheceria meus colegas, minhas professoras… Nós éramos todos amigos.

Maranhão
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Ideílton com as professoras Solange Oliveira de Moraes e Larissa Ramos da Silva

E não foi só isso que a sala de aula fez por Maranhão. Ele conta que a alfabetização mudou o modo como ele trata as pessoas na vida pessoal e profissional. “Eu era muito rígido, muito aborrecido, qualquer coisa eu já partia para cima. Vendo o jeito das professoras com todo mundo, fiquei mais calmo. Não vale a pena a pessoa ser agressiva.”

Ainda que o aluno fosse da “turma do fundão”, onde os bagunceiros costumam se sentir à vontade, as professoras contam que Maranhão era muito aplicado, quase sempre o primeiro a chegar à sala, antes mesmo delas. “Eu chegava e ele estava sempre lendo alguma coisa, fazendo continhas de matemática. Era participativo, comunicativo, não tinha vergonha de expressar as dúvidas, de pedir ajuda”, lembra Larissa Ramos da Silva, de 30 anos, servidora pública e professora voluntária do projeto do MPDFT.

Maranhão baiano
Nascido em Coaraci, na Bahia, Ideílton ganhou o apelido por ter crescido em Imperatriz, no Maranhão, para onde seus pais o levaram para viver com poucos dias de vida.

Casado há 29 anos com Maria da Soleidade, de 53, o auxiliar de serviços gerais conta ter recebido um grande apoio da mulher para encarar o desafio de ser alfabetizado. Mesmo sabendo assinar só o nome, foi Maria quem lhe mostrou a importância de saber ler e escrever. “Tem uma palavra que a professora Larissa escreveu no quadro e que eu nunca esqueci: magnificamente. Sempre chamo minha mulher assim: ‘Minha magnificamente’”, sorri.

O casal tem dois filhos e três netos. A filha, de 26 anos, terminou o ensino médio e o filho, de 23, não concluiu o fundamental. Morador de Samambaia Norte, diz que foi a experiência de vida que o ensinou a pegar o ônibus certo quando ainda não juntava as letras nem compreendia o sentido das palavras.

Michael Melo/Metrópoles
Maranhão: “Antes é que eu não enxergava”

‘Brasileiro honrado’
Maranhão deseja voltar a Imperatriz e lá comprar uma casa para morar com a mulher e a netinha que cria. “Se eu receber uma herança que estou esperando, vou abrir um comércio lá”, diz ele, que agora consegue ler as cartas que chegam com detalhes sobre o processo.

Sobre aquele sonho, que um dia Ideílton confessou à chefe, hoje é realidade. Maranhão consegue ler a Bíblia e não mais arruma desculpas para passar a vez na leitura bíblica do culto evangélico. No meio da entrevista, pergunta: “Eu posso citar o trecho de João 3:16? ‘Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.’ Agora sou um brasileiro honrado”, conclui.

Há pouco tempo, Maranhão descobriu que está com glaucoma e catarata no olho direito. Perdeu um pouco da visão, aguarda a cirurgia, mas mantém o otimismo. “Antes é que eu não enxergava!”

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