A vida depois de… adotar duas crianças e construir uma família
Ana Carolina e Adisson decidiram formar uma família e tornaram-se pais de Gabriel e Thais. Com o processo de adoção já concluído, descobriram que a menina tinha microcefalia, o que não afetou em nada o amor construído.
atualizado
Compartilhar notícia
No primeiro encontro com Gabriel, então com cinco anos, o menino subiu na parede, quase escalando, e disse: “olha o que eu sei fazer”. Enquanto isso, bem perto em um “chiqueirinho”, Thais, com um ano e oito meses, estava sentada e observava a movimentação. Pronto, ficou claro que a família havia se encontrado.
Diferente da maioria das famílias, onde os pais geram as crianças, a família da funcionária pública e do analista de marketing foi muito discutida, pensada e os membros se conheceram um pouco tardiamente, ou como Ana Carolina gosta de dizer: “o pai, a mãe, o Gabriel e a Thais demoraram a se encontrar, porque tem muita gente no mundo”.
O casal está junto há oito anos e, depois do casamento, começou a falar sobre aumentar a família. Desde o começo do namoro, eles tinham vontade de ter um filho biológico e adotar outra criança. Se o bebê viesse menino, adotariam uma menina e vice-versa.
Eu tive um problema de saúde e minha médica desaconselhou a gravidez, porque teria um risco muito grande. Então, a gente decidiu que adotaria duas crianças.
Ana Carolina Figueiró Longo
O casal encontrou nos grupos de apoio à adoção todo a base necessária para se preparar. Isso ajudou muito na decisão de formar uma família de forma diferente. “A gente é treinado, aprende desde o começo que a família é biológica. Ninguém aprende que existe família por adoção. No colégio, os livros mostram a família de margarina. Por isso, quando a família passa a ser um pouco diferente, existe um estramento inicial”, explica Ana Carolina.
Eles passaram por um longo processo. Habilitação, curso para os pais, perícia, psicólogos, assistentes sociais e uma série de procedimentos judiciais até que, finalmente, foram habilitados. Como o casal não foi muito criterioso e o perfil desejado era bem amplo, 15 dias depois a Vara da Infância ligou para avisar que já tinha uma criança se eles quisessem conhecer. Eles, porém, queriam dois filhos. Logo depois, Adisson pegou catapora e as visitas tiveram de ser interrompidas.
“Foi quase como se a gente estivesse esperando aquele momento certo de encontrar os dois. Chegou para a gente a existência de dois irmãos biológicos. Vimos fotos, escutamos a história deles e decidimos conhecê-los. E aí teve esse grande encontro”, relembra Ana Carolina.
“Quando procuramos a Vara da Infância tivemos que descrever um perfil da criança que desejávamos, mas a gente não tinha nenhuma restrição — só que teriam que ser dois”, diz a mãe.
O estágio de convivência durou quatro meses. Foi o tempo para a família se conhecer e se aproximar lentamente. No começo, as visitas do casal eram duas vezes por semana, depois passaram a ser três. Então, conseguiram autorização para passeios de quatro horas, em seguida puderam levar os dois para dormir em casa. Como Ana Carolina e Adisson não sabiam idade e sexo das crianças que adotariam e se elas iriam querer ficar com eles, não tinham montado quarto. Resultado: dormiram todos juntos.
Passaram-se quatro meses entre a primeira vez em que os quatro se encontraram até irem de fato viver como uma família. Do primeiro pedido de habilitação até a guarda provisória, foram dois anos e meio. O processo inteiro, até sair a decisão de adoção, durou mais de três anos. Depois da adoção concluída, os pais descobriram que Thais, 6 anos, tinha microcefalia. Isso não afetou em nada o amor que já sentiam pela menina.
Mas nem tudo é tão preto no branco. Ana Carolina admite que tinha questionamentos importantes antes de encontrar as crianças. “Minha dúvida era assim, de onde vem o amor? Porque a ideia em uma gestação é ter nove meses para pensar e tudo mais. E de onde vem o amor se você não tem uma gestação? Mas, vem tão natural, esse amor é tão imediato e tão claro”, assume, sorridente.
Gabriel também conta que teve suas dúvidas no início. “Na primeira vez, eu achei eles estranhos. Aí, na segunda, eu fui começando a me acostumar. Entendeu? Hoje eu gosto, eu amo, não acho eles estranhos, só às vezes”, diz o menino.
Aos 9 anos, ele gosta de desenhar — e acha que exerce a atividade muito bem, “quase toca piano”, é escoteiro e quando crescer quer ser um “construtor de carros”. Também gosta muito da Paciência e da Alegria, as cadelinhas da família.
As famílias: do casal e das crianças
Carol e Adisson sempre tiveram famílias favoráveis à adoção. Os avós e os tios participaram desde o começo do processo e foram, inclusive, até o abrigo para conhecer as crianças antes delas irem para casa.
Estiveram presentes no estágio de convivência e participaram do revezamento das visitas. Adisson e Carol contaram para as crianças que elas tinham avós, tios e primos. O reconhecimento de quem era quem na família foi um processo lento. Eles acreditam que esse apoio foi fundamental para a adoção ter sido bem sucedida.
As crianças viviam com a família biológica antes de serem levadas a um abrigo. Gabriel tinha menos de 1 ano quando foi tirado dos pais. Logo depois, Thaís teve o mesmo destino, aos 15 dias de vida.
Gabriel já compreendia bem o que era adoção, quando ela ocorreu. Quando estava no abrigo entendia que as crianças conheciam pais e mães e ganhavam uma família. “Sempre encaramos a adoção como uma coisa natural e muito positiva. A gente conta para todo mundo que ele é adotado, com muito orgulho. A gente sempre desejou muito fazer essa família, então, todo esse amor faz parte dessa conversa sobre adoção”, explica Ana Carolina.
O menino acompanhou todo o processo e conversou com a técnica na perícia final. Ele chama sua trajetória de “história do adotamento”.
O casal decidiu que conversaria com o filho à medida que ele fosse perguntando. Se um dia ele quiser conhecer a família de antigamente, os pais vão procurá-la. “Temos o compromisso de sempre dizer a verdade. Acho que essa verdade sobre a adoção é importante. Não dá para desconsiderar que eles tiveram uma família anterior, que viveram um tempo no abrigo, isso faz parte da história deles.
A realização do sonho
A família tem uma rotina não muito diferente de outras famílias. Adisson trabalha o dia todo, Ana Carolina fica em casa de manhã, trabalha fora durante a tarde e à noite. As crianças estudam no período da tarde. Entre as atividades, inseriram os tratamentos que Thais faz por ter uma deficiência intelectual.
A mãe garante que também dá bronca, põe o Gabriel de castigo, quando necessário, e faz todas as coisas que as outras mães fazem. Algo é certo: a vida do casal mudou muito, para melhor.
“Está tudo diferente. A gente teve uma mudança de 180 graus. Ter filhos muda toda a nossa visão de mundo, a perspectiva, o que a gente deseja para o futuro, a vontade de cuidar de outra pessoa, o interesse, o foco da sua vida, enfim. A gente acaba pensando primeiro neles e depois na gente mesmo. É fantástico ter filhos. A melhor coisa que pode acontecer na vida de alguém”, diz Carol.