A Síndrome do Impostor é maior em pessoas trans? Entenda
No dia da Visibilidade Trans, celebrado neste domingo (29/1), entenda como a Síndrome do Impostor pode afetar mais as pessoas transexuais
atualizado
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A síndrome do impostor se tornou uma ocorrência comum nos últimos anos. Utilizado para caracterizar aqueles que tendem a se sentirem insuficientes no ambiente de trabalho, pesquisas revelam que 70% das pessoas já se sentiram dessa forma pelo menos uma vez na vida. Esses índices, no entanto, tendem a ser maiores quando essa pessoa está incluída em um grupo minoritário.
“Todo dia eu duvidava da minha capacidade. Ainda que eu estivesse exercendo um cargo de liderança, sendo elogiado pelas pessoas que estavam acima de mim, eu me questionava diariamente se eu realmente era capaz daquilo”, desabafa o publicitário Bernardo Henrique.
Por que fenômeno e não síndrome?
De acordo com Jorgete Lemos, que já foi diretora da diversidade na Associação Brasileira de Recursos Humanos, o impostor não deve ser considerado uma síndrome, mas um fenômeno. “A condição não é uma doença, ao passo de que se trata de uma experiência comum e quase todo mundo enfrenta isso, por isso é considerado um fenômeno”, pontua.
“Chamar de síndrome rotularia as pessoas com uma doença. O fenômeno do impostor pode acometer qualquer pessoa fragilizada ou em um momento em que duvidamos das nossas competências e possibilidades”, explica.
Usado pela primeira vez em 1978, o fenômeno do impostor foi descrito pelas psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes, como indivíduos que sofrem com uma “autopercepção de falsidade intelectual e se sente uma fraude”. Em um artigo que avaliou 150 mulheres bem-sucedidas, as pesquisadoras chegaram à seguinte constatação:
“Contrariando realizações acadêmicas e profissionais, mulheres que apresentam o fenômeno do impostor insistem em acreditar que elas não são boas o suficiente e que apenas enganam quem pensa o contrário”, diz o material.
Apesar de ter sido criado levando em consideração as mulheres, os anos comprovaram que não apenas elas são vítimas deste fenômeno. “Quando você é uma pessoa que possui marcadores de excludência dentro da nossa sociedade, você pode estar mais suscetível a sofrer deste fenômeno”, explica Maite Schneider, co-fundadora da Transempregos.
O saldo de uma sociedade patriarcal
Vale ressaltar que qualquer pessoa pode se tornar uma vítima desse sentimento de auto-insuficiência, mas alguns fatores contribuem para que algumas tenham mais gatilhos que outras. “A gente entende que esse é mais um processo que a sociedade patriarcal, no qual todos nos estruturamos e fomos criadas, criou conforme seu desenvolvimento”, explica Jorgete.
A estrutura na qual nos desenvolvemos, ao longo dos anos, contribuiu para que houvesse um padrão de preferência para o sucesso. Em sua maioria, homens brancos, héteros e cisgênero são aqueles que sobressaem no mercado de trabalho e se tornam mais bem-sucedidos que os demais.
Por mais que o Brasil seja composto, majoritariamente, de mulheres, elas ainda não ocupam os mesmos espaços que eles no ramo profissional — elas têm participação 20% inferior que eles. Ao esmiuçar as minorias, transexuais e travestis encontram ainda mais dificuldades e empecilhos ao tentarem uma carreira no país.
Em uma realidade assustadora — o Brasil lidera, pelo 14º ano consecutivo, o ranking de países que mais matou transexuais no mundo, com 131 vítimas em 2022 — essas pessoas representam uma série de excludentes que favorecem para sua evasão profissional.
De acordo com dados da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em 2020, apenas 59,4% dos homens trans possuíam empregos formais, número que cai para 13,9% para as mulheres transgênero ou travesti.
As dúvidas que o preconceito traz
Ao 51 anos, Maitê elucida que os padrões impostos pela sociedade refletem em uma série de dúvidas e incertezas para pessoas trans que, muitas vezes, se sentem incapaz e não merecedoras da própria conquista.
“Quando você não está dentro desse paradigma, de homem branco, hétero e cisgênero, enfrentar o fenômeno do impostor se torna algo recorrente. Se for uma pessoa trans, negra e com alguma deficiência, isso pode ser ainda maior”, pontua Schneider.
“A gente vive uma sociedade, não só para pessoas trans, mas para vários desses lugares de excludências, que diz você não vai conseguir, que isso não é para você, que aquilo não é teu direito, que você não pode… É uma sociedade do “não”, e não uma sociedade que estimula você ao sim, às possibilidades e às crenças positivas”, analisa Maite, que também é consultora de diversidade.
Ao Metrópoles, Bernardo revela que o “medo” também favorece para que a sociedade exclua pessoas transexuais de alguns cenários. “Ainda há muito tabu sobre quem somos. Eu passei por um emprego onde as pessoas evitavam falar comigo por medo de como me tratar ou de falar algo que pudesse me machucar. Então eles acabavam evitando falar comigo e eu me sentia muito excluído”, lamenta.
“Acredito que nem seja preconceito, mas um tabu. Ainda tem esse estereótipo de que eu tenho que ser tratado com mais cuidado, mas eu não tenho. Eu tenho para mim que é só um medo desnecessário, até porque eu sou uma pessoa normal, sou só o Bernardo e quem eu sou vai muito além da minha transexualidade”, pontua.
Essas situações que passam a ser comuns para quem passou pelo processo da transexualidade, passam a criar dúvidas e incertezas que geram questionamentos como “eu realmente mereço esse lugar que eu ocupo?”, “sou realmente capaz desta posição?”. Jorgete pontua que a falta de autoconhecimento ou em um momento de franqueza essas dúvidas podem se tornar gatilho para a autossabotagem.
“Ela se sabota e pode entrar em uma crise de descrédito e baixa autoestima. Se ela aceita essas dúvidas, ela passa a se sentir insegura e, consequentemente, desperta descrédito sobre si nas pessoas a sua volta. A própria pessoa se cerca de recursos que a impede de alcançar o próprio sucesso”, explica.
Qual o caminho para evitar a autossabotagem?
Maite e Jorgete salientam que o autoconhecimento é o melhor caminho para não se sucumbir ao fenômeno do impostor. “É preciso identificar suas forças e se conhecer para enfrentar seus medos e confrontar os momentos de fraqueza”, elucida Jorgete.
As especialistas ouvidas pelo Metrópoles também recomendam a busca por ajuda profissional, com psicólogo e psiquiatra para superar esses desafios. A diretora acadêmica da WorldEd School, Juliana Frigerio, também lista algumas dicas que podem ajudar na superação desse momento de dúvida:
- Faça uma lista ao longo do ano das suas conquistas. Anote como conseguiu e o que teve que passar para conseguir, assim, sempre que estiver inseguro, terá um lugar que atesta que você lutou por isso;
- Converse com alguém de sua confiança, seja um psicólogo, um familiar, um amigo ou um professor, ter alguém para ouvi-lo ajuda a clarear a mente e tirar eventuais dúvidas;
- Crie uma rotina e cumpra-a para evitar o esgotamento físico. É importante listar horários de lazer, alimentação e trabalho, isso nos torna mais eficientes e procrastinar menos.