“A arte me curou de uma infância abusiva”, diz Matheus Fernandes
Artista visual explica como exercitar a criatividade o ajudou a superar traumas e a se encontrar profissionalmente
atualizado
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Matheus Fernandes é conhecido no cenário artístico da capital federal pela forma versátil como reverbera a sua arte. Tem uma mente que fervilha e, como marca registrada, assina criações multicoloridas e altamente instagramáveis. Dono de um senso estético apurado, ele não estabelece limites para a criatividade. Faz o que lhe dá na telha. Se aventura pelo ramo da moda, do design, da papelaria. Sem medo.
Defini-lo, logo, é uma tarefa ousada. Desafiadora até para ele, hábil com as palavras. “Digo que sou artista visual. Foi a forma que encontrei de manifestar que me envolvo em muitos projetos”, declara Matheus, de 30 anos. Para dividir as experiências e as estripulias pelas artes, ele fundou o Blog do Math, espaço virtual onde escancara as multifacetas.
Embora seu trabalho seja pautado pelo primoroso uso das cores, “Math” também carrega traumas e “dias cinzas” em sua história. Nenhum deles, entretanto, tirou seu entusiasmo. O mundo que ele escolheu e desenhou para si pulsa e vibra, apesar das marcas do passado.
Teresinense de nascimento e brasiliense de coração, o profissional afirma que o apreço pelo universo criativo foi descoberto ainda na primeira infância. “Minhas memórias mais antigas são de desenhos meus. Esboçava de tudo um pouco. Mais velho, com uns 9 ou 10 anos, comecei a gostar também de decoração. De vez em quando, baixava um espírito de designer em mim e eu remaneja os móveis de casa. Minha mãe ficava louca cada vez que via o sofá posicionado em um lugar diferente”, brinca.
Segundo ele, a prática de exercitar a imaginação foi, acima de tudo, um ato de sobrevivência. “Fui abusado sexual e fisicamente por pessoas próximas. Passei a infância reprimido, evitando ao máximo o contato com os outros. Foram nesses períodos de isolamento que a minha criatividade começou a aflorar. Percebi que com a minha imaginação poderia criar um plano paralelo, muito mais leve e belo do que o real”, recorda.
Com as responsabilidades da fase adulta, a válvula de escape dos abusos foi ficando em segundo plano. Até que, sem aviso prévio, Matheus foi demitido de um emprego em uma empresa de telefonia móvel. A notícia, anunciada de supetão, provocou uma guinada na vida do rapaz. “Com o dinheiro da rescisão de contrato decidi me matricular em um curso de web design e criar o blog”, revela.
No espaço virtual, que completa 8 anos em breve, ele se reconectou com a veia artística. Passou a produzir editoriais de decoração, moda e festas – por pura diversão. Também deu início a uma de suas frentes mais consumidas atualmente, os DIYS – tutoriais de faça você mesmo. A visibilidade do blog, uma espécie de vitrine do talento do piauiense, ainda atraiu diversas parcerias comerciais, que consolidaram por definitivo a carreira de Math como artista.
Para a Magnólia Papelaria, por exemplo, Matheus criou, no início deste ano, uma linha de cadernos, planners, stickers e fichários com frases motivacionais e irreverentes. O sucesso de vendas foi tamanho que uma segunda coleção é cogitada. Já para a plataforma Pinterest, ele produz, desde 2016, conteúdos variados.
“O bacana é que essas marcas chegaram até mim de forma orgânica e, depois de curtirem o meu trabalho, fizeram as propostas comerciais. Justamente por esse alcance ilimitado, que gera inúmeras oportunidades, valorizo tanto a exposição das minhas criações na internet”, pontua.
O objetivo do meu trabalho é passar mensagens positivas e sensações agradáveis por meio da estética.
Matheus Fernandes
Além do blog, ele mantém uma conta no Instagram com 37 mil seguidores. O feed coordenado em tons pastel imprime a estética peculiar do profissional, sempre solar, leve e bem-humorada. É no aplicativo de fotos, inclusive, que ele dissemina alguns de seus desenhos por meio de GIFs. Basta digitar “Blog do Math” na aba de pesquisa das imagens animadas que diversos resultados surgem na tela. “Ao total, são cerca de 100 modelos. Até a Xuxa já usou um GIF meu”, comenta, orgulhoso.
Nem o animal de estimação do profissional ficou imune as redes sociais. O Sushi, um cachorro da raça Spitz Alemão, ganhou um perfil para chamar de seu, em 2016. Clicadas por Matheus, as fotos conceituais do cão, de 4 anos, são a definição exata da palavra instagramável. O bichinho aparece em cenas inusitadas e arranca elogios dos mais de 1,2 mil seguidores.
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Processo criativo
A inquietação artística de Matheus é notada em uma simples conversa. O turbilhão de ideias na mente do “brasiliense” de consideração faz com que ele, vez ou outra, se perca em seus próprios pensamentos. A voracidade das reflexões parece ininterrupta, o que levanta os questionamentos: como funciona o seu processo criativo? Alguma vez faltou inspiração para realizar um projeto?
Ele, então, responde que orienta seu pensamento por meio de seis passos. “Faço um briefing bem delineado do projeto que irei realizar, pesquiso referências, faço mood boards, penso nas sensações que quero despertar com o trabalho, apresento as ideias ao cliente [se for um arranjo comercial] e parto para a produção. Dessa forma, perco menos tempo e potencializo meus resultados”, entrega, salientando que as etapas nem sempre são realizadas na ordem citada. “Varia muito de projeto para projeto”, frisa.
Sobre falta de inspiração, ele diz: “Às vezes, é preciso abraçar o bloqueio criativo. É a mente dando sinal de que as ideias precisam ser oxigenadas. Quando me sinto assim, pauso durante uma semana. Vejo Netflix, ouço muita música e volto melhor ao ponto onde parei. Difícil é quando tem algum trabalho atrasado. Por isso, opto por prazos longos para me assegurar. Lutar contra o bloqueio só te deixa mais ansioso e menos inspirado. Não adianta.”
Ambições
O desejo mais latente quando assunto é futuro é montar uma produtora. “Seria capaz de realizar mais trabalhos e empregar pessoas, meu grande sonho”, admite.
Fora isso, ele planeja criar campanhas em parceria com abrigos da cidade que acolhem crianças abusadas. “As propagandas contra o assédio são sempre duras. Em geral, apresentam uma criança amordaçada e machucada. Imagino que, se o tema fosse abordado com um pouco mais de leveza, ele deixaria de ser um assunto censurado e entraria nas rodas de conversas com mais facilidade”, opina.
“Acredito, de verdade, que uma estética bem elaborada conecta e comunica. É uma isca para despertar a curiosidade, para quebrar tabus”, finaliza.