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Catadora cria projeto de doação de itens de beleza a moradoras de rua

Anne venceu as drogas e a situação de rua, e usa a internet para lançar o projeto que arrecada itens de higiene para mulheres vulneráveis

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Anne Catadora
1 de 1 Anne Catadora - Foto: Arquivo Pessoal

“Para quem vive na rua, o sentimento é que não temos direito de ter nada”. É assim que Anne Caroline Barbosa, de 29 anos, lembra dos dias em que viveu em situação de rua. Quando migrou para São Paulo, a catadora de recicláveis conheceu o preconceito e o vício, e chegou a esquecer quem era enquanto mulher.

Há cerca de 4 anos, Anne e o marido, Lucas Martins da Silva, 23, se despediram da vida nas ruas. Atualmente, eles saem da pequena quitinete onde moram de aluguel às 5h da manhã e perseveram pelas avenidas da cidade em busca de papelão, plástico, alumínio, cobre, papel branco e metal, em uma rotina de trabalho que pode chegar a 15 horas. São outros tempos, mas a família ainda vive próxima à vulnerabilidade.

O papel do catador é fundamental para a sociedade — tanto em termos de limpeza, quanto como um agente ambiental. Responsáveis pela maior parte dos materiais que são reciclados, eles ainda convivem com o preconceito, a invisibilidade social e condições de trabalho precárias. A falta de apoio parte tanto da sociedade quanto das políticas públicas.

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O casal com a cachorra neguinha, que adotaram enquanto viviam em situação de rua
Anne e Lucas percorrem a cidade em busca de papelão, plástico, alumínio, cobre, papel branco e metal
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Anne e o marido trabalham como catadores de recicláveis em São Paulo

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O casal com a cachorra neguinha, que adotaram enquanto viviam em situação de rua

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Anne e Lucas percorrem a cidade em busca de papelão, plástico, alumínio, cobre, papel branco e metal

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“Já que o poder público não faz o mínimo para garantir uma qualidade de trabalho para um profissional que é essencial, a gente tem que se mover enquanto seres humanos”, defende Anne. Nas redes sociais, ela se dedica a trazer informação sobre o trabalho dos catadores e o papel da profissão nos grandes centros urbanos.

Dignidade enquanto mulher

Além de tentar aproximar a realidade dos catadores nas redes sociais para seus mais de 90 mil seguidores, Anne criou a iniciativa Perfum.a.dor, que reúne doações a fim de oferecer produtos de higiene pessoal e beleza a mulheres em situação de vulnerabilidade.

“Na época em que morava na rua, eu ficava feliz quando encontrava maquiagem no lixo, radiante por conta de um sabonete. Era um momento em que podia voltar a pensar que poderia me sentir bonita e me cuidar. Não tinha direito ao mínimo, que era me sentir limpa e cheirosa”, desabafa.

A iniciativa ajuda mulheres em situação de vulnerabilidade a resgatarem a sua vaidade e dignidade, a partir de doações de produtos de higiene, cosméticos, maquiagem, bijuterias e tudo que contribua para devolver a autoestima delas.

O projeto funciona na capital paulista de São Paulo, recebendo doações de produtos que muitas vezes ficam ali no fundo do armário. “Enquanto aquele seu produtinho está lá, esquecido, para que quem vive na rua, se sentir bonita, se sentir limpa, é artigo de luxo”, adianta Anne.

“É fundamental que elas se lembrem que têm o direito de se sentirem bem, de se sentirem mulheres bonitas novamente. Esse é um sentimento que move milhares a resgatarem não só a beleza estética, mas a vontade de viver”, defende a idealizadora do projeto.

A cidade que não para

Nascida em Cuiabá, no Mato Grosso, Anne se mudou para São Paulo em 2017, levando na mala apenas os sonhos de cidade grande. Já formada em design gráfico e mãe de uma menina, que ficou com o pai, ela partiu rumo à selva de pedra “onde tudo acontece”.

No entanto, bastaram poucos meses para o encanto acabar. “Eu romantizava um lugar em que as pessoas viviam um mundo de oportunidades. Mas, assim que cheguei escutei uma frase que me marcou muito: ‘cuidado com a cidade, porque ela vai engolir você’. O que eu vejo é desigualdade a cada esquina”.

Sem ter onde morar quando desembarcou na capital paulista, Anne mudou-se para um albergue da prefeitura enquanto procurava um emprego, mas não conseguiu trabalho. Lá, ela conheceu a cocaína e o crack, e acabou se envolvendo no mundo da dependência química, o que a levou a viver em situação de rua.

Foi quando conheceu o marido, Lucas Martins da Silva, que já coletava e vendia materiais recicláveis, que Anne entrou no ramo — a princípio, para sustentar o vício.

Foi Lucas quem ensinou a Anne o papel e a atividade do catador

“Quando se fala em catadores, a gente, infelizmente, fala em vulnerabilidade. A maioria de nós está em situação de rua, o que é muito cruel e arranca a dignidade de tal forma, que ter acesso a água é luxo. Higiene é luxo”, compartilha.

Novos rumos

Após cerca de um ano e meio vivendo na rua, foi a notícia da maternidade que deu forças para que Anne Caroline vencesse a dependência química. “Estava sem esperanças, no fundo do poço, morava em uma praça. Um dia passei mal e descobri que estava grávida. Naquele momento acabou toda irresponsabilidade. Precisava cuidar da minha filha”.

Após o nascimento do bebê, a mato-grossense e o esposo contaram com a ajuda da família dele para mudar de vida. A mãe de Lucas alugou um pequeno apartamento em Osasco mas, por conta da rotina de catadores, a localização ficou insustentável. Nos últimos quatro anos, eles moraram em quatro lugares diferentes — até a quitinete onde vivem agora, no centro de São Paulo.

Os anos juntos, no entanto, não duraram muito. Melissa, de 3 anos, nasceu com uma cardiopatia congênita: tetralogia de fallot. A enfermidade incapacita o coração de mandar oxigênio suficiente para o resto do organismo, e por conta da doença, a criança figura na lista de alto risco por conta da Covid-19. Para garantir a segurança da pequena, o casal levou a filha para morar com a bisavó, pelo menos enquanto durar a pandemia.

Dia a dia, a família constrói um futuro juntos. Anne estuda jornalismo em uma faculdade particular, e a habilidade de comunicação notável fez com que ela desenvolvesse um relacionamento fixo com lojistas da cidade. Por conta do isolamento social, a situação ficou mais difícil. Porém, eles continuam no trabalho duro, na esperança de dias melhores.

Vulnerabilidade

Longe das duas filhas, Anne conta que o Dia das Mães é sempre uma época difícil. Refletindo sobre a representatividade da data, ela encontrou no projeto Perfum.a.dor uma forma de resgatar o poder feminino de tantas mulheres que precisam de uma injeção de autoestima para reconhecer a própria dignidade.

De acordo com a psicóloga Mariane Abreu, se importar com beleza e autoestima passam longe de qualquer ideia de futilidade. “Melhorar a autoimagem pode ajudá-las a se sentirem autoconfiantes, gostarem de si”, explica. Além disso, pode representar um caminho para abandonar vícios e sonhar com uma condição de vida melhor.

“A higiene e beleza podem contribuir para que elas acessem serviços públicos, procurem empregos sem serem afetadas pelo julgamento e pelo preconceito”, completa a profissional. “É fundamental para que você se aceite como alguém que merece cuidado e carinho”.

“Na rua, estamos pensando em como nos alimentar, em como vamos suprir as nossas necessidades mais primitivas, e isso acaba anulando a nossa vontade de nos cuidar. A importância desse projeto é sobre resgatar não apenas a beleza em si, mas a lembrança do autocuidado. A preocupação consigo é um ato de dignidade”, afirma Anne.

Quem mora em São Paulo, pode combinar um horário para entregar doações no perfil da iniciativa, ou colaborar via PIX: 052.931.141-85 (Lucas Martins da Silva), assim como pessoas de outras cidades que desejam contribuir com a iniciativa. Para conhecer mais detalhes sobre o trabalho de Anne, acesse o Instagram.

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