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Vida pós-câncer: A técnica que permite a maternidade depois da doença

Novidades em reprodução assistida garantem que mulheres jovens diagnosticadas com câncer mantenham vivo o sonho da maternidade após a cura

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Giovanna Bembom/Metrópoles
Brasília (DF), /00/2017 – – Foto: Giovanna Bembom/Metrópoles
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Há um clichê entre pacientes e familiares: o primeiro baque do diagnóstico de câncer soa como sentença de morte, por melhor que seja o prognóstico. Para algumas mulheres, a sentença de morte pode ir além. Por vezes, as sequelas do tratamento acabam com sonhos e planos de futuro, porque deixam no ar a possibilidade de que a quimio e a radioterapia, além do tumor, levem embora sua fertilidade.

A justificativa é de que, como os tratamentos são antiproliferação celular, corre-se o risco de interferência na saúde das células reprodutivas, levando à menopausa precoce.

Há alguns anos já existe no Brasil uma alternativa para garantir que jovens pacientes tenham uma chance de gerar um filho quando o tratamento de câncer ficar para trás. No entanto, ele ainda é caro e pouco divulgado pelos oncologistas — principalmente quando a pressa pelo início do tratamento é o maior dos planos naquele momento.

Foi assim com a servidora pública Raquel Cordeiro, de 42 anos, quando descobriu um tumor em uma das mamas há sete anos. Aos 35, ela já tinha o sonho da maternidade, mas nenhum plano com o namorado na época — hoje seu marido. Procurou uma especialista ao sentir um nódulo com os dedos e, mesmo sem indicação — “não deve ser nada”, ouviu — foi encaminhada para a primeira mamografia da sua vida.

“Já entreguei o jaleco depois do exame chorando. Ali na sala mesmo ela me disse que os nódulos tinham todas as características de um tumor maligno”, lembra a servidora.

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Virada

Raquel teve sorte. Eles eram pequenos e ainda não haviam se proliferado para o tecido. O prognóstico era o melhor possível. Menos de um mês depois da choradeira na sala de exame, já estava operada e com a mama reconstruída — os dois procedimentos foram feitos de uma só vez. Antes de começar as sessões de radioterapia, no entanto, se viu diante de um dilema.

Havia um risco de que a radiação afetasse seus óvulos saudáveis e a especialista que a atendeu sugeriu que ela os congelasse, por precaução. Além disso, o tratamento exigiria um acompanhamento posterior que poderia durar até cinco anos, sem que ela pudesse engravidar. Isso porque, na época, havia um temor de que os hormônios da gestação favorecessem uma recidiva da doença (no último congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, a Asco, um trabalho mostrou que a gestação, na verdade, é segura). Aos 40 anos, se a radioterapia não afetasse sua saúde reprodutiva, a natureza poderia ter se encarregado disso sozinha.

Quando você vai para uma clínica de reprodução humana, geralmente é porque já tentou de tudo e não deu certo. E não era meu caso. Lembro que sempre pensei que se não desse para ser mãe, tudo bem. Mas, naquela época, eu queria pelo menos tentar.

Raquel Cordeiro, servidora pública
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Mariana foi a primeira das gêmeas a nascer.
Raquel, Carolina e Mariana
Raquel, o marido e as gêmeas na UTI neonatal.
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Raquel Cordeiro recebeu o diagnóstico de câncer de mama aos 35 anos.

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Mariana foi a primeira das gêmeas a nascer.

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Raquel, o marido e as gêmeas na UTI neonatal.

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As gêmeas Mariana e Carolina hoje têm três meses de vida.

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A diferença do tratamento de Raquel para o “comum” é que, como há a necessidade de que se inicie o tratamento contra o câncer o mais rápido possível, não se espera o tempo do ciclo menstrual para que o óvulo esteja maduro. Duas drogas diferentes são combinadas para estimular a ovulação sem que a dosagem hormonal no organismo aumente.

“Hoje, os medicamentos que usamos mandam para o cérebro a mensagem da estimulação ovariana, mas sem aumentar estrogênio. Antes, isso seria teoricamente impossível”, explica a ginecologista Hitomi Nakagawa, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida.

Sem estrogênio, os riscos da estimulação para a piora ou recidiva do câncer são menores. Para Raquel e o marido, foi também o que manteve vivo os sonhos de família após a doença.

Ela completou as sessões de radioterapia no mesmo ano do diagnóstico, no dia 28 de dezembro de 2010. “Lembro de pensar que viraria o ano ‘limpinha’”, diz. Quatro anos depois, oficializou a união com Marcos, seu namorado desde os tempos de diagnóstico. Em 2015, aos 40 anos, era hora de pensar em ampliar a família. Sem sucesso com os métodos naturais, ela resolveu recorrer aos óvulos congelados cinco anos antes.

Pé no chão
Foram duas tentativas até que Raquel conseguisse engravidar. Tanto que, na segunda vez que foi até um laboratório confirmar a gestação, decidiu ser “pé no chão”, como ela diz. Na primeira ultrassonografia, ouviu não apenas um, mas dois corações batendo forte dentro da barriga. “Eu nem sabia que já ia ouvir o coraçãozinho naquele dia!” lembra, emocionada. Cuidadosa que só, decidiu espalhar a notícia à família depois do primeiro trimestre de gestação, para evitar a ansiedade e depois a tristeza da primeira tentativa.

A gestação de Raquel não teve traumas e nem cuidados extras por causa do câncer. Mas requereu todos os cuidados de qualquer gravidez gemelar. O susto, no fim das contas, não veio do câncer, mas, sim, de Mariana, uma das gêmeas, quando decidiu conhecer o mundo aos sete meses de gestação. “Nascia ali também uma mãe prematura!”, lembra Raquel.

Miúdas, as meninas ficaram 44 dias na UTI. Cada colo dado a elas, ainda enroladas aos fios da incubadora, no entanto, valeu a pena. Os momentos foram guardados com carinho e legenda escrita à mão pela mamãe em um álbum de fotografia, como à moda antiga. Hoje, a decisão tomada de súbito em meio ao tratamento sete anos atrás faz todo o sentido. “Tenho amigas que decidiram não congelar e se arrependem hoje. Por isso, digo: congele”, comenta.

Autoafirmação
Para Hitomi Nakagawa, mais do que uma forma de tentar preservar a fertilidade da mulher, a decisão do congelamento é também uma forma de fortalecimento durante o tratamento.

O câncer de mama tem sido descoberto mais precocemente e a taxa de cura é alta. Como essas mulheres são muito jovens, se ela tem um câncer aos 30, aos 35 ela está curada. E, até psicologicamente, é uma forma de autoafirmação, de driblar aquela sensação de impotência que se tem no momento do diagnóstico.

Hitomi Nakagawa, ginecologista e presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida

O congelamento de óvulos não é a única alternativa para mulheres jovens recém-diagnosticadas, embora seja a principal. Segundo o médico Maurício Chehin, especialista em Reprodução Humana da Huntington e membro da SBRA, outras opções viáveis seriam o congelamento de embriões ou ainda o de tecido ovariano — este último ainda em fase experimental e bem mais caro que os dois primeiros.

“O embrião precisa de um parceiro fixo e, além disso, leva consigo questões éticas para o futuro”, pondera. Entre elas, a dúvida sobre a progressão da doença da mãe e o que fazer com esses embriões caso ela venha a falecer: descartar ou ceder aos familiares?

A terceira alternativa, de congelamento de tecido, exige ainda um certo esforço por parte da comunidade científica. A ideia é que se congele parte do tecido ovariano ainda saudável antes do tratamento e que, no futuro, ele seja transplantado de volta na mulher e volte a produzir óvulos normalmente. Por ser um procedimento autólogo, a técnica tem poucos riscos, mas, por enquanto, também pouco sucesso. Segundo Chehin, há no mundo cerca de 90 bebês nascidos por meio da técnica. No Brasil, nenhum.

“A ideia seria congelar esse tecido de uma paciente jovem agora para que em 10 ou 15 anos, quando a técnica for aprimorada, ela possa se aproveitar dela”, comenta.

 

 

 

 

 

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