A antropóloga Mirian Goldenberg lança o livro “Velho é lindo”
“A velhice deixou de ser um momento em que as pessoas se aposentam de si mesmas”, diz Mirian Goldenberg, autora do livro “Velho é lindo”, que lança um novo olhar sobre esse período
atualizado
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Um dia você acorda e o tempo mapeou seu rosto, os cabelos embranqueceram e há uma longa estrada quando se olha para trás. Você está velho e esse é o prêmio que a vida dá a quem não morreu jovem. Nem idosos, nem “velhinhos” (diminuídos), nem membros do clube da melhor idade: simplesmente velhos. A palavra tem uma carga negativa indissociável, mas não deveria ser usada como ofensa, e, sim, com reverência.
O livro Velho é lindo, da doutora em antropologia social Mirian Goldenberg, vem para ressignificar essa fase da vida. É o desdobramento de uma longa pesquisa com 1.700 entrevistados. Esse é o quarto título assinado pela especialista com a temática do envelhecimento. A publicação traz artigos de vários pesquisadores a quem Mirian orientou. “Tentamos mostrar, a partir de dados concretos, o que há de positivo, feliz e libertador nessa idade”, diz Mirian.
Durante uma viagem à Alemanha, em 2007, a antropóloga notou diferença no discurso das europeias e das brasileiras sobre envelhecer. “As mulheres de 60 e 70 anos, lá, falavam sobre viagens e projetos. Aqui, eu ouvia mais sobre o medo de envelhecer e ficar sozinha. Comecei a comparar essas realidades e fiz uma grande pesquisa, da qual veio o livro A Bela Velhice”, lembra.
A velhice à qual Mirian se refere precisa de dois fatores para existir: uma boa saúde e um pouco de dinheiro. As conclusões dos estudos referem-se a pessoas que tiveram algum planejamento financeiro e que se cuidaram para chegar a esse momento com tranquilidade.
“Não é só que os brasileiros estão vivendo mais. A velhice deixou de ser um momento em que as pessoas se aposentavam não só do trabalho, mas de si mesmas. Iam fazer coisas de velho”, diz Mirian.
A pesquisadora traz a público o conceito de “ageless”, no qual se encaixa uma geração que mudou comportamentos e quebrou tabus com relação ao corpo, na década de 1960. São essas pessoas que estão mudando a forma de envelhecer.
“Elas que não aceitam rótulos nem etiquetas, continuam vivendo a vida muito bem e, muitas vezes, vivendo melhor do que na juventude, com mais liberdade ainda”, explica Mirian.
Principalmente para as mulheres, a velhice pode ser um momento de libertação e de descobertas, o momento de dizer: “foda-se para que os outros pensam. Agora vou viver a minha vida do meu jeito”. Todas sofrem uma pressão cultural muito forte com relação a serem bonitas, magras e jovens. Sofrem até o momento em que dizem foda-se. É uma fase da vida que pode ir até os 90, 95 anos
Mirian Goldenberg
O simbolismo do cabelo branco, as “coroas periguetes”, o uso da internet pelas pessoas velhas, os velhos de Copacabana e os velhos homossexuais são alguns dos temas abordados no livro “Velho é lindo”.
“No capítulo sobre as “coroas periguetes”, pesquisamos sobre como as pessoas acusam as mulheres que não querem se comportar como velhas. Todos os artigos são sobre pessoas mais velhas que encontram formas livres e felizes de se relacionar com o próprio corpo e com as pessoas que estão na vida delas”.
Os modelos de envelhecimento, segundo Mirian, são importantes. “Paul McCartney, Ney Matogrosso, Bibi Ferreira, com 94 anos estreando show, Fernanda Montenegro trabalhando sem parar. São modelos que a gente não tinha antes, de forma tão abundante, e isso influencia muito a forma como as pessoas enxergam essa fase.”
Brasília também tem seus modelos de como é envelhecer bem. Conheça alguns exemplos:
Vicky Tavares, 67 anos, à frente da ONG Vida Positiva
“Sou superativa, dinâmica, ousada e criativa. Meu pai dizia, quando alguém comentava que ele estava velho: velho é o mundo e as estrelas, mesmo assim, elas brilham. Fiquei com isso na cabeça, por isso quero brilhar como as estrelas, sempre. Tornei-me mãe novamente, aos 60 anos. Adotei duas filhas, uma hoje tem 12 e a outra 11 anos. Todos ficaram surpresos. Elas me revigoram. Acordo todo dia bem cedinho, levo a mais nova à escola, depois corro 4 km. Durante a corrida, me transporto para o altar celestial, aí converso tudo com Deus, oro pelos amigos, pelos inimigos, pela família, pelos meus sonhos e projetos, que ainda são muitos.
Cuido da outra filha, que se prepara para o basquete pela manhã e para aulas de reforço, porque estuda à tarde. Vou para a Instituição Vida Positiva (ONG que ajuda pessoas soropositivas), todos os dias. Tiro dois dias da semana para fazer minhas deliciosas farofinhas, em outros dois dias faço meus brigadeiros (Vicky vende os produtos para sustentar a ONG).
Não tenho empregada nem faxineira, faço todo o serviço de casa, e ainda ajudo na Vida Positiva, onde sou chamada de Vovó Vicky, cheinha de netos. Meu dia a dia é supermega corrido, mas eu amo tudo o que faço, adoro cuidar do outro, servir ao próximo me dá muito prazer.
Tenho tempo para beijar, abraçar e falar palavras carinhosas para todos. Adoro viver, envelhecer para mim é luxo puro, porque ganho muito. A vida, constantemente, me presenteia com sabedoria.
Vicky Tavares
Quanto mais o tempo passa, mais você aprende. Estou sempre sendo esticada e com certeza irei alcançar meus objetivos. Cheia de projetos e sonhos, vou continuar nessa caminhada linda que é a vida. Envelhecer é presente de Deus, agradeço a Ele todos os dias.”
Lêda Watson, 83 anos, artista plástica
“É uma tradição na minha família trabalhar até depois dos 90 anos. Eu trabalho tanto que não paro para pensar em que idade tenho. Estudo italiano, faço parte do conselho da Aliança Francesa e tenho três projetos em andamento e sete gravuras em curso. Um desses projetos é um livro sobre a história da gravura.
Minha profissão exige muito do físico e da mente. Hoje, me canso mais facilmente do que antes, mas, para me fazer parar, precisa de muita coisa. Sempre que posso, viajo. Ano passado fui para fora do Brasil três vezes. Nunca fiquei menos vaidosa: cuido muito do corpo e faço exercício. Mas também não ligo para o que a sociedade espera de mim. Homem, quando envelhece, acham até charmoso, mas com mulher é diferente”Aprendi com a idade a tolerância e a paciência. O jovem quer que as coisas aconteçam rápido. Também é intolerante com os erros dos outros. Quando você envelhece, percebe que já cometeu muitos erros também e isso nos faz mais compreensivos. Com a velhice, aprendi que nada de bom acontece com precipitação
Lêda Watson