Terapia on-line cresce e vira opção para pacientes com medo do consultório
A tela do computador proporciona segurança a quem precisa de atendimento. Procura aumentou 360% nos últimos 12 meses
atualizado
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A pandemia do novo coronavírus colocou a sociedade de ponta cabeça, modificando drasticamente os hábitos de socialização. O distanciamento social aumentou a procura por atendimento psicológico on-line, em conjunto com o medo da contaminação pela Covid-19. A busca ocorre, sobretudo, por parte de pessoas que não realizavam o tratamento antes da quarentena por não se sentirem à vontade no consultório. Assim, especialistas explicam que o receio do contato presencial é substituído pela adesão do virtual, que permite estar em casa, atrás da tela do computador.
O psicólogo Jales Silva Barreto explica que a popularidade da modalidade ocorre por conta do agravamento de quadros anteriores à pandemia, como ansiedade e estresse. Com as mudanças do isolamento, outros problemas surgiram e evidenciaram a urgência de cuidar da saúde mental.
“O medo de estar frente a frente é um sinal de que a pessoa sabe que precisa externalizar algo para alguém que possa ajudar a resolver seu sofrimento psíquico”, salienta Jales.
De acordo com dados da empresa especialista em marketing digital SEMrush, a busca por transtorno de ansiedade saltou 50% comparando o pré-isolamento, em fevereiro, e o início do isolamento, em março. No mesmo período, as pesquisas por “psicólogo gratuito” também cresceram, cerca de 24%. Além disso, dados do Google Trends mostram que a busca por “terapia on-line” cresceu mais de 360% nos últimos 12 meses.
“A ansiedade não surge de imediato, é um acúmulo de fatores. Muitas pessoas sabem que precisam, mas não vão atrás, porque existe o tabu de procurar um estranho para contar alguma coisa. O psicólogo é um profissional como qualquer outro, da mesma forma que se busca a saúde física, também é preciso buscar a saúde mental”, garante.
O Brasil foi considerado o país mais ansioso do mundo pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019. Segundo a instituição, 18,6 milhões de brasileiros, cerca de 9,3% da população, convivem com o transtorno. Por outro lado, em 2016, foi apurado que apenas 2% da população adulta dos principais centros urbanos do país realizavam terapia, conforme pesquisa do instituto Market Analysis.
Segundo a psicóloga clínica Juliana Campos Queiroz, os contrastes do momento atual com o aqueles da pré-pandemia intensificaram a situação emocional das pessoas. Ela explica que, ao se sentir vulnerável, o paciente percebe que não é capaz de lidar sozinho com o turbilhão de pensamentos.
“O suporte emocional tornou-se prioritário para a compreensão de como podemos nos portar, nos relacionar e nos reinventar nesse novo contexto social”, afirmou a especialista.
Em seu consultório, Juliana teve aumento de mais de 50% nos atendimentos virtual. Entre as queixas mais comuns, está a necessidade de fortalecimento identitário para lidar com as repercussões pessoais e profissionais provenientes da pandemia.
O atendimento psicológico on-line é permitido desde 2018 pelo Conselho Federal de Psicologia. Antes, a entidade exigia que o profissional comunica-se que a consulta não seria realizada pessoalmente, mas, com o aumento da demanda durante a pandemia, a regra foi flexibilizada.
Teti-a-teti paciente e profissional
Além de não ter o contato físico, as vantagens do virtual para o paciente incluem a comodidade de não precisar se locomover e a possibilidade de ser atendido fora do horário comercial. Por esses motivos que a estudante Beatriz Andrade, de 25 anos, que atualmente mora em Wisconsin, nos Estados Unidos, procurou o serviço.
Embora não tivesse receio do atendimento presencial, a estudante não o realizava terapia há mais de quatro anos. Com a pandemia, problemas internos que antes caíam em esquecimento tornaram-se incômodos para Beatriz, fazendo com que ela procurasse um profissional do Brasil, em maio, para a ajudar a melhorar a saúde mental.
“Com a rotina, a gente acaba se acomodando e não prestando atenção no que sente, é muita coisa acontecendo. Trancado em casa, tanto tempo você com você, a gente acaba vendo o que está errado”, contou a brasileira.
Apesar das vantagens, o atendimento on-line priva o psicólogo de analisar a linguagem corporal do paciente. Gestos e movimentos são parte essencial na captura da mensagem pelo receptor, correspondendo a 55% da comunicação, segundo estudos sobre o assunto.
A psicóloga clínica Cintia Melgaço, que atende 90% dos pacientes pela internet, considera que a limitação do contato direto dificulta, inclusive, o proveito do tempo de atendimento. Sem os recursos corporais, o profissional precisa estar atento às expressões faciais capturadas pelas câmeras.
Cíntia assegura que o ganho para o especialista está na observação do ambiente familiar de quem está sendo atendido. “Podemos perceber a rotina do paciente. Há quem mostre dificuldade de promover um espaço de individualidade, como um momento tranquilo e sem interrupções para fazer a sessão, mesmo dispondo de muito espaço físico no lar. Isso já pode ser um alerta que não recebemos imediatamente em consultório”, completa.