Reposição de vitamina D pode ajudar a frear microcefalia, afirma especialista. Academia de Neurologia nega
Profissional diz que a reposição no organismo pode evitar que o vírus chegue ao útero. A Academia Brasileira de Neurologia, entretanto, não confirma a informação
atualizado
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Nos últimos meses, o zika vírus tirou a paz de mães e futuras gestantes. De um vírus de baixa periculosidade, que na maioria das vezes não causa mais do que sintomas parecidos com os de uma gripe comum, ele passou a protagonista de um drama nacional. Segundo o último boletim do Ministério da Saúde, do início da semana passada, desde que o vírus passou a ser associado à microcefalia, já são quase 3,2 mil casos suspeitos.
Alguns especialistas temem que, caso a ciência e as autoridades não corram rápido o suficiente para eliminar o mosquito ou criar uma vacina que neutralize o vírus, em pouco tempo o zika comprometa toda uma geração com a doença.
A má notícia é que, tão cedo, a vacina não deve virar realidade. A boa é que talvez uma substância, muitas vezes negligenciada nas farmácias, possa ter um papel importante para amenizar a tragédia que se anuncia, conforme o volume de chuvas aumenta no verão. E não precisa de agulha, tão pouco de investimento de milhões em pesquisas refinadas para vacinas. São cápsulas de vitamina D.
O alerta foi feito no fim do mês passado pelo neurologista Cícero Galli Coimbra, professor de neurologia e neurociência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e um dos maiores pesquisadores e entusiastas da vitaminas D do mundo.
Em um e-mail enviado aos pacientes e conhecidos detalhando pesquisas recentes sobre a importância da substância na saúde – especialmente no sistema imunológico -, ele encoraja grávidas e mulheres em idade reprodutiva a se prevenir contra o zika fazendo a reposição da vitamina D com uma dose de 10.000 Ul por dia.
A vitamina D, na verdade, não é bem uma vitamina. Foi chamada assim por um erro histórico, por ter sido descoberta primeiro em alimentos, mas é, na verdade, um hormônio esteroide. “O grande problema de ela ser chamada de vitamina, é que as pessoas tendem a achar que podem encontrar essa substância na alimentação. Na verdade, a presença dela nos alimentos é irrisória”, alerta o especialista.
Fora das prateleiras da farmácia, a principal fonte de vitamina D é o sol. Mas, vivendo cada vez mais confinados e cobertos de protetor solar, não é de se espantar que grande parte da população hoje tenha carência da substância. Segundo Coimbra, 9 em cada 10 pessoas têm taxas insuficientes da vitamina no organismo.
Um protetor solar de fator 8 inibe em 90% a produção de vitamina D. A mudança de hábitos fez com que a gente passasse muito tempo em shopping centers, nos locomovemos de carro ou de metrô e as crianças ficam em casa para jogar vídeo game. Essa mudança é que provocou essa pandemia que é a deficiência de vitamina D.
Cicero Galli Coimbra, neurologista, professor da Unifesp
A dose de 10.000 Ul recomendada pelo médico pode assustar. Até pouco tempo atrás, a dose mínima para correção de deficiência, recomendada pelo Institute of Medicine dos EUA, usado como guia por médicos do mundo inteiro, não passava de 600 Ul por dia. Porém, no início do ano passado um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, descobriu que os cálculos do Instituto estavam errados – e muito. Segundo eles, a dose mínima para reposição deve ser de 7.000 Ul para adultos.
Segundo Coimbra, a dose recomendada para gestantes é fisiológica. Apenas 20 minutos com braços e pernas expostos ao sol, entre 10h e 13h, já são suficientes para que o corpo produza essa mesma quantidade da substância.
Barreira imunológica
Conforme aumenta o número de descobertas sobre a atuação da substância no organismo – principalmente na regulação do sistema imunológico -, a vitamina D ganha mais atenção de especialistas. Por isso, Coimbra defende que não manter as doses de vitamina D em dia no organismo seria o mesmo que deixar a porta aberta para uma série de infecções.
Quando se trata de saúde pública, frequentemente as pessoas dizem ‘precisamos de mais verba, precisamos de mais médicos’. Não é mentira. Mas, sobretudo, precisamos de menos doentes.
Cicero Galli Coimbra
Nas grávidas, a vitamina D é especialmente importante para a saúde dos bebês. A substância produzida na pele por meio do sol ou ingerida em cápsulas é a chamada pré-hormônio. De acordo com o médico, até pouco tempo, acreditava-se que ela era transformada, na sua forma ativa, nos rins. No entanto, nos últimos anos, descobriu-se que ela é tão importante para outros órgãos que eles não podem depender apenas do rim para essa ativação, e fazem o serviço eles mesmo. É o caso da placenta.
“A placenta é um órgão fundamental de defesa para o feto. Protege contra vírus, fungos e outros invasores. Na presença de quantidades fisiológicas de vitamina D, se transforma numa verdadeira barreira para esses microorganismos. E não apenas para o zika vírus. Existem outros agentes que podem causar má-formação e mesmo a microcefalia que não chegariam ao bebê”, diz Coimbra.
Além disso, o especialista frisa que a reposição da substância gera benefícios secundários à criança. “A deficiência de vitamina D na gestação dá origem ao nascimento de mais crianças com autismo, porque ela é extremamente importante para o desenvolvimento do cérebro do bebê”, conta.
Controvérsia
No entanto, o uso da vitamina D – especificamente em doses “altas” – não é unanimidade entre a comunidade médica. A maioria argumenta que não existe evidências científicas quanto a seus benefícios. O que, de acordo com Coimbra, não passa de desinformação.
“Não há justificativa ética em deixar-se deficiente em vitamina D uma gestante em uma época em que cada vez mais se caracteriza o crescimento de casos de microcefalia associada ao zika vírus. Deixar qualquer pessoa deficiente em vitamina D, mesmo fora de uma epidemia viral, já caracterizaria negligência”, ele argumenta no e-mail repassado aos pacientes.
Ainda de acordo com o especialista, mesmo depois dos estudos sugerindo o erro de cálculo da instituição americana na dosagem de vitamina D, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), continua aconselhando a dose de 200 Ul, mais baixa até que a antiga recomendação do Institute of Medicine, de 600 Ul por dia. “A explicação para isso é desconhecimento”, ele diz.
Por meio da assessoria de imprensa, a Academia Brasileira de Neurologia se negou a conceder entrevista sobre o tema, mas afirmou, em nota assinada pelo departamento científico de neurologia infantil, que “não há qualquer evidência científica de que a vitamina D possa otimizar o desenvolvimento do cérebro dos bebês” e que a recomendação “reflete opinião isolada e não expressa a posição oficial” da instituição.
Confira a íntegra da nota:
Em relação à possível prevenção da microcefalia causada pelo Zika vírus com o uso da vitamina D, temos a afirmar que não há qualquer evidência científica de que a vitamina D possa otimizar o desenvolvimento do cérebro dos bebês. Tampouco há evidência científica para indicar o uso da vitamina D como alternativa no combate ao Zika vírus. A opinião que sugere a utilização da vitamina D reflete uma posição pessoal isolada e não expressa a posição oficial cientificamente embasada dessa Academia.
Dra. Marilisa M. Guerreiro
Professora Titular de Neurologia Infantil – Unicamp
Coordenadora do DC de Neurologia Infantil – ABN
Dra. Umbertina Conti Reed
Professora Titular de Neurologia Infantil – USP
Vice-Coordenadora do DC de Neurologia Infantil – ABN
Dra. Ana Carolina Coan
Professora Assistente de Neurologia Infantil – Unicamp
Secretária do DC de Neurologia Infantil – Unicamp