Sem aglomeração e fofoca: como será o “novo normal” dos salões de beleza
Para reabrir, empresas de beleza precisarão garantir segurança dos profissionais e clientes. Sindicato admite que nem todos terão condições
atualizado
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Há mais de dois meses, representantes do setor de beleza do Distrito Federal se reuniram pela primeira vez com o Palácio do Buriti para apresentar um plano de reabertura dos estabelecimentos. De lá para cá, ocorreram outros encontros com diferentes pastas do governo local. Contudo, proprietários de salões de beleza, barbearias, spas, clínicas de estética e profissionais do segmento ainda não têm data prevista para abrir as portas diante da ameaça do coronavírus.
O presidente dos Sindicato dos Salões de Beleza do DF (Simbeleza), Célio Ferreira de Paiva, garante que, apesar da falta de respostas, o setor está pronto para atender a população com protocolos rígidos de atendimento, baseados em orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e na experiência de outros países que enfrentaram a pandemia.
“Elaboramos um manual de biossegurança. A Vigilância Sanitária fez uma análise e recomendou o uso do protocolo. Esperávamos, com isso, receber uma previsão de abertura. Mas a promessa que temos do governo é de que vão estudar uma data. É frustrante”, lamenta Célio.
Novos protocolos
O manual mencionado por ele tem 41 páginas e traz uma lista extensa de orientações, que devem ser seguidas à risca tanto pelos estabelecimentos quanto por funcionários e clientes.
No rol de novos protocolos, está a determinação de que os locais funcionem apenas com 50% da capacidade operacional, atendam exclusivamente com horário marcado e desativem salas de recepção e espera, assim como outros espaço “propícios para aglomeração de pessoas“.
Os donos de salão precisam garantir, ainda, distanciamento mínimo de dois metros entre os clientes, que não poderão estar acompanhados.
Além disso, as empresas deverão ter máscaras para oferecer aos clientes, se necessário. A quantidade deve ser suficiente para os agendamentos do dia.
A rotina dos funcionários será bastante atingida pelas normas. Eles precisarão evitar contato com superfícies no transporte público, trocar de roupa ao chegar ao local de trabalho e não poderão fazer uso de telefones celulares durante os atendimentos. Conversar com o cliente sobre temas alheios ao procedimentos também está vetado.
Os profissionais também deverão ter pelo menos quatro máscaras de pano à disposição e precisarão fazer a troca do equipamento a cada 2h.
“Os menores terão dificuldade”
Apesar de garantir que as medidas são suficientes para evitar o contágio dos consumidores, Célio admite que nem todos têm condições de cumprir. Para contornar o problema, o sindicato quer realizar campanhas para empresas maiores ajudarem os pequenos empresários a garantir os equipamentos necessários para reabrir. Além disso, a própria entidade e as empresas envolvidas querem fiscalizar a execução do manual.
“Os menores terão dificuldade, mas estamos dispostos a ajudá-los. São ações que exigem investimento”, pondera o representante.
Apesar dos riscos, ele entende que essa é a única forma de salvar o setor, que “tem passado por uma situação muito triste”. “Estamos há mais de 70 dias fechados. Já até nos juntamos para entregar cestas básicas a quem está em situação pior. Eu mesmo tive que demitir metade dos meus funcionários”, diz Célio, dono de uma rede de clínicas de podologia.
“Novo normal” no Brasil
Em algumas capitais brasileiras, como Belo Horizonte, os salões de beleza já podem reabrir seguindo recomendações semelhantes às sugeridas pelo manual proposto no DF.
No salão Vagalume, localizado no bairro de São Pedro, além de álcool gel disponível na porta, o uso da máscara é obrigatório para todos os clientes. Eles só são recebidos com hora marcada. “Estamos felizes com a retomada. Ficamos fechados e atendendo à domicilio”, afirma a sócio-proprietária Elizabeth Ferreira.
A prefeitura da cidade estebeleceu níveis de abertura do comércio em seis etapas. As quatro últimas se referem a cenários em que os estabelecimentos considerados não essenciais podem reabrir gradativamente, até uma eventual liberação total.
Os salões foram reabertos na fase um. Isso significa que, na avaliação dos especialistas da prefeitura, eles têm baixo potencial de gerar aumento na circulação de pessoas.
“Tem gente que ainda prefere não vir ao salão, mas não deixamos de atender. Como estávamos atendendo em casa, continuamos a oferecer o serviço à domicílio para esses clientes com a mesma higiene e segurança”, garante Elizabeth.
Atendimentos domiciliares crescem na pandemia
Mesmo com os estabelecimentos proibidos de funcionar no DF, o presidente do Simbeleza acredita que muita gente, inclusive autoridades, tem flexibilizado as regras para o próprio benefício. “É uma hipocrisia. Estão fortalecendo a informalidade e submetendo profissionais e consumidores a riscos”, afirma.
De fato, os atendimentos domiciliares viraram a única opção possível. Não há nenhuma norma expressa que proíba sua realização. Essa, inclusive, foi a forma que a brasiliense Joyce Carvalho, 28 anos, encontrou para ajudar sua manicure de confiança.
“No começo, fiquei com muito receio de colocar uma pessoa dentro de casa para expô-la a uma possível contaminação e correr o risco de me contaminar também, além de me sentir na obrigação social de me isolar o máximo possível. Porém, me sensibilizo muito com os comerciantes locais e quis ajudar de alguma forma. A maneira que encontrei foi não suspender 100% as unhas, somente reduzir”, explica.
Apesar de não considerar o serviço essencial, ela se sensibilizou ao saber que a profissão teve uma redução de 80% nos atendimentos. “Poderia ficar sem fazer as unhas tranquilamente, mas quis ajudá-la. Me sinto segura, pois eu e ela tomamos todos os cuidados necessários, limpamos o local onde vamos nos sentar, ficamos o tempo todo de máscara e lavamos as mãos antes e depois das unhas feitas. Isso me dá uma certa segurança”, conta Joyce.
Em casa, mas com protocolos rígidos
A designer de sobrancelhas Nadia El Chariti, cuja agenda é requisitada por várias personalidades da capital, passou a oferecer o serviço na própria casa depois que o D’Concept, onde trabalha desde janeiro, suspendeu as atividades. “Passei 20 dias isoladas e comecei a pensar no que fazer. Fiz uma aula com uma vizinha que é médica sanitarista, comuniquei o dono do salão, que me deu total apoio, e comecei a adotar medidas rígidas de segurança”, relata.
Para isso, ela reservou um espaço arejado na varanda, comprou equipamentos descartáveis, adotou um protocolo próprio e enviou um questionário para as clientes. O objetivo é saber se há risco de alguma ser portadora do coronavírus ou ter tido contato com uma pessoa infectada. “Algumas não gostam, mas o procedimento é remarcar para outra data, mediante envio da foto do exame, comprovante negativo para o coronavírus”.
Ela acredita que essas ações são suficientes para garantir a própria segurança e a das clientes. “Não há nenhum procedimento de segurança que possa ser adotado por um salão que não estejamos fazendo em casa. Fora que, na minha casa, sou eu e a cliente. Não existe possibilidade de aglomeração”, diz. “Até hoje, nenhuma reclamou de algo ou pegou a doença. Eu também estou bem”, acrescenta.
O que pensam os médicos
A médica infectologista Ana Helena Germoglio analisou as principais recomendações do manual de biossegurança elaborado pelos salões. Ela acredita que a abertura é natural, diante da flexibilização que vem sendo feita em outros comércios e serviços. No entanto, considera problemático o fato de pequenos salões não serem capazes de se adequar, principalmente por eles serem comuns em regiões administrativas bastante afetadas pela doença.
Além disso, a profissional afirma que há recomendações que os proprietários não serão capazes de controlar. “Pedir para que o funcionário não tenha contato com uma superfície no transporte público é inviável. Isso não vai acontecer. Ele precisa passar a roleta, sentar ou se equilibrar”, destaca.
Diante dos atuais desafios, ela acredita que tanto empresários quanto profissionais autônomos estão no mesmo barco. “Não tem como dizer que modalidade de atendimento é mais segura. Depende de vários fatores. O que cada empresário tem que pensar agora é: ‘Eu tenho mesmo condição de atender um cliente com Covid-19?’. Porque, agora, todos são potenciais infectados”.
Ana Helena Germoglio, infectologista
“O lugar mais seguro continua sendo a própria casa. Mas, de fato, será necessário contar com a conscientização de todos, sobretudo dos frequentadores. Se estiver com sintomas, não saia. Você pode prejudicar outras pessoas e outros negócios. A abertura pode ocorrer, mas se o cenário obrigar, esses estabelecimentos serão fechados de novo”, alerta a médica.