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Por que deficientes visuais são ignorados pela indústria da beleza?

Mulher cega relata os desafios de existir como maquiadora amadora em um cenário com pouca acessibilidade a quem tem deficiência visual

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Mão segura pincel de maquiagem em um fundo rosa, matéria sobre falta de acessibilidade no mercado da beleza para deficientes visuais - Metrópoles
1 de 1 Mão segura pincel de maquiagem em um fundo rosa, matéria sobre falta de acessibilidade no mercado da beleza para deficientes visuais - Metrópoles - Foto: Carla Sena/Arte/Metrópoles

Com a imagem focada em seu rosto, uma jovem influencer aplica, com precisão invejável, uma sombra marrom no côncavo dos olhos. A destreza impressiona. Depois disso, ela esfuma o olhar para garantir um visual mais natural. O processo segue com base, pó compacto, blush e batom. Até então, nada de novo.

Vídeos tutoriais de maquiagem, bem se sabe, são extremamente populares. Uma rápida pesquisa no Google exibe mais de 8 milhões de resultados. Exceto pelo fato da mulher à frente das telas ser a brasiliense Ingrid Medina, cega desde os 16 anos.

Ela cria a make de forma intuitiva, guiada apenas pelo talento e pelo desejo de inspirar outras pessoas com deficiência a acreditarem e reafirmarem, todos os dias, a própria beleza. Aos 28 anos, a assistente social, que perdeu a visão no início da adolescência em decorrência de um glaucoma congênito, manteve o amor pelos pincéis, mesmo diante de todas as dificuldades impostas por essa condição.

foto colorida de selena gomes
Produtos de beleza, em geral, têm pouca acessibilidade

“Sempre pedi para me falarem o que estava ou não na moda. Solicitava as vendedoras que me descrevessem cores e modelos na hora de comprar roupas, por exemplo. Porém, em relação à maquiagem, não fazia nada por receio de ficar borrada. Foi quando resolvi me inscrever em um curso para mulheres com deficiência visual. Hoje, consigo me virar com o essencial sozinha”, recorda.

Não demorou até Ingrid gravar vídeos nos quais demonstra, por meio de técnicas simples, o beabá das makes que fazia em si mesma.

Além do que se vê

Atualmente radicada em Florianópolis (Santa Catarina), ela tem o YouTube como um hobby. Não é a sua fonte de renda. A meta, aqui, é gerar satisfação pessoal. Embora não grave vídeos com a frequência de outras influenciadoras, sabe que a sua simples existência já é um sinal de resistência em um mercado que, majoritariamente, não desenvolve produtos totalmente inclusivos.

Uma das razões é o alto custo de rótulos com acessibilidade. Segundo um estudo da consultoria Mordor Intelligence, criar texturas que facilitem a identificação do item é considerado, pela indústria, algo muito parecido com o desenvolvimento de itens “premium”, ou seja: bem mais caros, para os dois lados do balcão.

“As marcas, infelizmente, não veem as pessoas com deficiência como consumidores”, diz. No entanto, ela destaca alguns exemplos positivos. “Comprei batons em que a embalagem era exatamente igual à convencional e, para me auxiliar, a empresa disponibilizou adesivo [em braille], de modo que eu pudesse diferenciar as cores”, diz.

Para a influenciadora, a decisão de se expor na internet e colocar no ar os vídeos que, a priori, gravava para si, partiu do pressuposto de que é necessário haver mulheres cegas em várias frentes, da beleza aos altos cargos em empresas.

Somos pessoas com deficiência, não somos deficientes. Somos pessoas, antes de tudo, e a deficiência só é mais uma de uma de nossas características

Ingrid Medina

Longe da zona de conforto, Ingrid vislumbra um futuro com mais oportunidades, dentro e fora da web. Curiosa por natureza, ela garante que perder a visão a fez conhecer um novo mundo, bem diferente do que imaginava, mas igualmente prazeroso de estar. “Sou aventureira e gosto de desafios. Tanto que hoje surfo, sou mãe… Faço absolutamente tudo e tenho uma vida perfeitamente normal. Não me limito”, finaliza.

Beleza sem rótulos

Embora sejam escassas se comparadas à demanda, existem algumas plataformas e produtos desenvolvidos para mulheres cegas ou com baixa visão. No início da pandemia de Covid-19, por exemplo, o jornalista de beleza e maquiador Tássio Santos desenvolveu o Sentidos da Beleza, primeiro podcast de maquiagem para cegos do Brasil. O programa, de seis episódios, ensina técnicas de automaquiagem para pessoas com essa deficiência.

Jornalista criou podcast voltado para pessoas cegas

“Pensei o seguinte: se de repente eu criasse um espaço onde pudesse me dedicar a discutir exclusivamente sobre um tema, eu conseguiria entregar um projeto 100% para essa galera. Foi assim que surgiu o podcast”, disse, em entrevista à página Bonita de Pele. Além de jornalista e maquiador, Tássio é dono do canal de YouTube Herdeira da Beleza, focado em maquiagens para pele negra.

O podcast Sentidos da Beleza está disponível no Google Podcast, SoundCloud, Spotify, Podcasts da Apple e Deezer.

Em São Paulo, outra iniciativa de destaque é o projeto Muito Além da Beleza, desenvolvido pela rede de salões Jacques Janine e a Laramara (Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual). A iniciativa ensina automaquiagem com aulas práticas e teóricas, em cinco módulos, do básico ao avançado. Mais informações estão disponíveis no site e redes sociais de ambos os criadores.

Pincéis de maquiagem
Há salões e algumas marcas que se atentaram para a questão

Linhas como a de produtos capilares Herbal Essences, por sua vez, contam com círculos e listras nos frascos combinados com letras. Dessa forma, o cliente pode diferenciar o que está comprando.

O modelo poderia facilmente ser replicado em embalagens de make. Por Ingrid e por tantas outras que, por amor ou trabalho, dependem da inclusão para uma melhora significativa na qualidade de vida.

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