Novo normal? Entenda a tendência de alisamento entre as cacheadas
Com a tendência estética Y2K em alta, cacheadas e crespas têm abandonado os fios naturais e reinvestindo nos alisamentos
atualizado
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O cabelo cacheado e crespo foi, por muito tempo, colocado em uma posição subjugada. As curvaturas naturais sempre existiram, mas começaram a ter um espaço maior e valorização no mercado de cosméticos para cabelos de alguns anos para cá, com evolução da tendência de beleza do início dos anos 2000 até os dias atuais.
Essa tal liberdade deve ser celebrada: foi muito mais do que apenas uma revolução estética, mas um movimento social que ganhou bastante notoriedade no universo da beleza, da moda, da mídia, das ruas e das redes sociais.
As mulheres abraçaram e aceitaram a curvatura natural dos fios, abandonando o alisamento de cabelo e passando pela transição capilar. Essa mudança influenciou não só os visuais, como também o mercado, já que surgiram novas marcas e produtos destinados ao cuidado com o cabelo crespo e cacheado.
Esse boom de naturalidade que culmina em uma transformação na autopercepção está, de certa forma, dando “passos largos para trás”. Com volta dos anos 2000 como referência estética e de moda, é possível notar a ascenção das tendências que indicam um movimento contrário: mulheres deixando os cachos de lado e aderindo ao alisamento de cabelo, reforçando a estética Y2K.
Segundo o Google Trends, no período de 2020 até 2022, houve um aumento de 119% de pesquisas na plataforma por “cabelos lisos”. A procura por “alisamento de cabelo cacheado” cresceu 176% no mesmo período. Os números vão na contramão dos anos anteriores, que apresentaram um aumento de mais de 70% nas buscas pelo termo “transição capilar”, entre 2014 e 2017.
Os anos 2000 foram marcados por padrões estéticos inalcançáveis. Naquele período, a imagem ideal de uma mulher era representada por uma pessoa magra e com cabelo liso. No TikTok, rede social do momento, é possível encontrar uma trend mostrando mulheres que passaram pela transição capilar, viveram por alguns anos com os fios naturais e, agora, decidiram alisar os fios novamente.
Um exemplo é Rayza Nicácio, influencer e cantora que foi uma das pioneiras em falar sobre cabelo cacheado e aceitação na internet, e uma das primeiras a alisar as madeixas quando a tendência surgiu.
“Acho extremamente importante que as pessoas saibam que ter cabelo cacheado e natural é liberdade. Não existe palavra melhor para expressar isso. O cabelo é seu e você pode, sim, fazer o que você quiser com ele, se isso te faz feliz”, relatou nas redes sociais.
“Às vezes, as pessoas que já sofreram com aceitação e assumiram seu cabelo natural tendem a se prender novamente numa ditadura de ‘nunca mais alisarei o cabelo’. E isso é errado. Se te faz bem viver para sempre com o cabelo cacheado/crespo, ótimo! Mas não oprima suas vontades por padrões. Nosso cabelo é versátil e nada mais bonito do que poder ser quem a gente quiser quando quiser”, postou a influenciadora, que atualmente alterna entre os fios alisados os cacheados no Instagram.
Mais fácil de cuidar
Além do retorno desse padrão estético, existe a ideia de que o cabelo alisado é “mais prático”. A gerente comercial Wygna Almeida afirmou que gosta do cabelo cacheado, mas alisou para facilitar a rotina. “Tenho muita vontade de voltar a usar ele cacheado, mas a transição é um processo demorado e trabalhoso. Acabei me acomodando e mantendo os alisamentos com frequência”, desabafa.
“Também acho que, inconscientemente, temos a impressão de que o cabelo liso passa a sensação de ‘mais arrumado’. Desconstruir isso leva um tempo”, ressalta Wygna.
Já a empresária e influencer Ana Danielle Matos disse que não pensa mais em alisar por estética. “Sinto falta do comprimento que liso fica maior, mas não seria um fator pra alisar. Liso é mais prático. Porém, você fica presa a chapinha, secador, muitos produtos, não ‘pode’ sair no frio, não ‘pode’ tomar banho de piscina… Me sinto mais livre cacheada”, aponta.
Ela diz que não tem vontade de alisar definitivamente, mas, às vezes, recorre à escova e chapinha.
A ditadura do cacho perfeito pode ter influenciado a tendência?
A pesquisadora Jéssica Caroline de Amorim explicou, em uma entrevista ao Metrópoles, que ” boom de finalizações na internet ditas perfeitas e elaboradas não contemplam a diversidade de curvaturas e incita o desejo por cabelos sem frizz, com cachos ‘perfeitos’ e sem volume”, discorreu.
Ela afirma que a indústria de cosméticos não oferece produtos e tratamentos de qualidade que contemplem as necessidades dos fios crespos.
“Fora isso, cacheadas e crespas ainda precisam lidar com a falta de prática dos profissionais de beleza com esses tipos de fio, o que acaba trazendo as químicas de transformação de estrutura (relaxamentos) como a alternativa para cuidar das madeixas. Também não podemos esquecer da influência midiática”, problematiza.
Todos esses aspectos corroboram para que a “ditadura dos cachos perfeitos” perpetue na sociedade e, como consequência, afastem as cacheadas dos fios naturais, fazendo com que elas escolham alisar para não ter que sofrer com os cachos “fora dos padrões”.
Da internet para os salões
Sobre o movimento, a especialista em alisamento Maria Luiza Amaral afirmou que, do meio de 2022 para cá, a procura dobrou em relação a clientes crespas e cacheadas. “Elas vêm até o salão em busca de alisamentos definitivos”, conta, em entrevista ao Metrópoles.
A expert relata que a maior parte busca alisar os fios por estética e por conta da “facilidade” que os cabelos alisados têm. “No dia a dia fica mais tranquilo de cuidar, não tem que acordar mais cedo para definir, finalizar… É lavar o cabelo e deixar ele secar natural, sem ter que se preocupar muito com ele”, afirma. Ela frisa que o procedimento deve ser feito, no máximo, de três em três meses.
Trabalhando com procedimentos à base de formol e aço, ela frisou que sempre indica o formol para mulheres com cabelos cacheados e crespos. “Para quem quer, ele dá um alisamento mais duradouro e um resultado mais natural”, comenta, ressaltando que não indica o alisamento para qualquer cabelo. “Há cachos que chegam ressecados e quebradiços, não recomendamos. É bom sempre olhar a saúde do cabelo antes de qualquer procedimento”.
O papel das redes sociais no novo padrão estético
A psicóloga e psicanalista Caroline Severo explica que as redes sociais são um fator de grande influência na relação de um indivíduo com a autoimagem. Assim, ser ou estar no mundo virtual pode modificar a lógica do reconhecimento e ainda provocar sofrimento por uma visão distorcida e exigente sobre os cabelos.
“A relação com a beleza nas redes sociais está, muitas vezes, pautada em refazer a própria imagem, e não em cuidados ou na reconexão com a autoimagem. Essa busca idealizada gera sofrimento porque é sempre da ordem do impossível”, alerta Caroline, que complementa afirmando que é possível trocar de visual sem se ferir. “Analisar o motivo de querer alisar os cachos pode ser uma boa ideia para tomar a decisão definitiva, seja ela qual for”, finaliza.
Para ela, seguir tendências de beleza é normal. Contudo, é preciso ter cuidado para não fazer delas uma constante busca por algo inalcançável: a perfeição. “Quando você quer mudar a si mesma só por conta de uma trend que viu na web, é preciso analisar se aquilo vem de dentro ou é só uma armadilha da própria cabeça que trará arrependimento depois”, diz, referindo-se aos alisamentos definitivos e a possível “retransição capilar” que pode ocorrer depois.