Liberdade na cabeça: dicas e depoimentos sobre transição capilar
Está criando coragem para assumir de vez os cachos? Trazemos um compilado de motivações
atualizado
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“Você vai arrumar esse cabelo antes de ir à festa, né?”. “Coitado do seu cabeleireiro, ele deve ter muito trabalho”. “Adoramos o seu currículo, mas estamos à procura de uma pessoa com a aparência um pouco mais profissional”. Por muitos anos, frases carregadas de preconceito como essas foram proferidas sem qualquer problematização. Sentenças como essas, carregadas de preconceito, serviam de combustível para crespas e cacheadas se renderem à dinastia do cabelo liso.
Essa opressora padronização, como tantas outras que rondam o campo da estética, começou a cair por terra com as redes sociais, meios de comunicação que, ao contrário das capas de revista, passaram a propiciar espaços de valorização das belezas mais próximas à realidade.
Nessas plataformas, crespas e cacheadas ganham voz e formam redes de apoio e valorização do cabelo encaracolado. Por meio dessas comunidades empoderadas, iniciam trocas de informações, principalmente sobre transição capilar, processo de autoaceitação e resgate dos fios naturais após alisamentos. Embora empoderador, esse momento gera dúvidas e inseguranças, como qualquer grande mudança na vida.
Maisa Silva é uma das figuras femininas em transição que usa as redes sociais para desabafar sobre o período. Recentemente, a jovem de 17 anos admitiu que a fase tem sido difícil.
“Quando posto foto do meu cabelo natural, as pessoas falam que eu tô descabelada”, publicou no Twitter. Em seguida, recebeu dos seguidores inúmeras mensagens de apoio e dicas para seguir a jornada com motivação. Além dela, a cantora Iza também comemorou os resultados da transição, uma prova de que as millennials estão à frente desse movimento.
O processo de retomada dos fios também é amplamente explorado no Youtube, plataforma na qual usuários contam, em vídeo, o passo a passo da experiência nem sempre fácil, mas libertadora. No Instagram, quem enfrenta a fase celebra seus avanços com fotos representativas acompanhadas da hashtag #transiçãocapilar. O Facebook, por sua vez, possui diversos grupos de bate-papo voltados à ressignificação da beleza, com centenas de milhares de participantes ativos.
“A transição é um ato de coragem que revoluciona os padrões de beleza. Ao mesmo tempo, um momento delicado e de frágil autoestima para homens e mulheres, que precisam lidar com o cabelo em duas texturas [lisa nas pontas e cacheada na raiz]”, diz Pamela Waldino, fundadora da marca de cosméticos naturais Kah-noa e do Studio Caracóis, ambos especializados em cabelos crespos e cacheados.
“Com truques básicos, porém, é possível, sim, conviver bem com o reflexo no espelho durante esse processo”, garante a profissional.
Dicas
Pâmela lista alguns macetes para amenizar o aspecto das duas texturas e, assim, se sentir melhor durante o processo de transição.
- Faça o cronograma capilar. São quatro fases: hidratação, nutrição, reconstrução e umectação. É preciso saber qual é o melhor produto para cada fase e repetir três vezes por semana.
- Tenha paciência e respire fundo, pois não vai ficar incrível de um dia para o outro. O processo é lento, mas vale o esforço. Ser natural é indescritível e libertador.
- Evite água quente, shampoos com sulfato, pentes finos e fontes de calor excessivo.
- Abuse de máscaras e ativadores de cachos ricos em manteigas e óleos vegetais.
- Faça o big chop (ou grande corte em português) com os cabelos secos. Corte bem na divisão entre o cabelo alisado e o natural, mecha por mecha.
- Assuma a transição e não se esconda. Aposte, inclusive, em presilhas coloridas de diferentes tamanhos e modelos depois do big chop. Os acessórios embelezam as madeixas e dão um “up” no visual.
Depoimentos
Quem passa pela transição descreve o processo como libertador. “Era refém dos alisamentos desde os 11 anos de idade. De dois em dois meses, lá estava eu no salão de beleza para retocar a raiz. Aos 16 anos, decidi optar pela liberdade e dar fim à progressiva”, diz a estudante Lizandra Costa, de 21 anos.
“Aliada à quebra da química, fiz cortes pequenos para retirar as partes lisas e fortalecer o crescimento dos cachos”, conta. Agora, ela tem outra relação com os cabelos. “Entendo que não preciso sofrer e gastar rios de dinheiro para estar satisfeita com a minha aparência. A transição foi uma escolha acertada, porém, não faço dela uma ditadura. Quando quero usar chapinha para mudar o visual, simplesmente uso. Sem neuras”, declara.
Apesar da transição ser mais delicada para mulheres, alvo de maiores pressões estéticas, homens também sofrem com ela. É o que relata o autônomo Rafael de Lima, 31 anos. “Certamente, a transição é um processo complexo. Não teria conseguido sem o apoio e orientação de uma pessoa especial. Trata-se da minha irmã Gabriela, uma jovem negra que já tinha passado pela processo”, revela.
Ele lembra que, antes da mudança, era insatisfeito com a própria aparência. “Os padrões de beleza me deixavam com baixa autoestima e sensação de insuficiência. Esses sentimentos me incentivavam a alisar ou raspar o cabelo, e incorporar tais processo como inerentes à minha existência. Aprendendo com minha irmã a me empoderar, notei que o primeiro reflexo prático do resgate da minha essência seria a mudança da estética capilar”, conta.
Mudando a rotina de cuidados com o cabelo, ele recuperou os cachos em poucos meses. A transformação no visual causou impacto, também, no comportamento e modo de vida do rapaz, que se engajou em movimentos de empoderamento negro.
“Para nós, parte do movimento de empoderamento negro, o cabelo e seus diversos designs representam muito mais que beleza. Além de emoldurar nossos rostos, ele representa nossa coroa e realeza. É símbolo de poder, força, luta e resistência. Todas essas qualidades, antes apagadas em mim, foram reafirmadas na minha postura e posicionamentos. Houve resgate de identidade, autoconhecimento, promoção de representatividade, envolvimento com a cultura e devoção à ancestralidade.”
Preconceito nas escolas do DF
A professora da rede pública de ensino do DF Dhara Cristina Rodrigues escreveu um livro sobre o preconceito com o cabelo negro nas escolas. Batizada de Janjão, Cabelo de Pipoca, a obra retrata a vida de um menino negro de 9 anos que sofre críticas por sua aparência, mas aprende a amar sua madeixas ao compreender a diversidade dos colegas de classe.
“Tenho 20 anos de sala de aula e, durante todo esse período, observei os cabelos dos meninos negros sempre muito encurtados e os das meninas quase sempre presos. A razão disso? Pais querendo evitar que seus filhos sofressem bullying“, exclama a autora. “Ao chegar a essa constatação, decidi escrever o livro e ajudar a combater a ditadura do cabelo liso. A ideia é contribuir para a erradicação do preconceito”, continua.
A obra será lançada em fevereiro em Brasília. Para informações sobre o lançamento, ligue (61) 98439-1735.