Conheça influenciadoras de beleza que promovem a acessibilidade na web
Lele Martins e Lorrayne Carolina quebram preconceitos e estigmas capacitistas
atualizado
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Falar sobre moda, beleza, autocuidado e lifestyle não é, nem de longe, uma exclusividade de algum grupo da sociedade. Há espaço e público para diferentes corpos, cores, rostos e cenários. É o caso de pessoas com deficiência, que compartilham suas vidas na web e quebram preconceitos e estigmas capacitistas.
Mais de 45 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, de acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número equivale a quase 25% da população do país.
Lele Martins, de 24 anos, é uma delas. Em setembro de 2018, ela sofreu uma amputação transtibial da perna esquerda, em um acidente de ônibus. De lá para cá, a vida da estudante de ciências sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro mudou completamente, inclusive a forma como é encarada pela sociedade.
“As pessoas te colocam em um lugar diferente do que era antes. Você acaba fazendo a mesma leitura. O capacitismo chegou muito rápido e eu acreditei naquilo. Comecei a me posicionar do jeito que quero me vejam tempos depois, na tentativa de dar uma quebrada nisso. Nem sempre funciona, mas eu tento”, comenta.
Capacitismo, vale destacar, é o termo que define ações e expressões de inferiorização de pessoas com deficiência.
Lele passou a se esquivar de discursos que a caracterizassem como “coitada” e sofredora. Esses papéis deram lugar a uma perspectiva de protagonista da própria história. “A minha vivência não é sobre dor e tristeza. Quando me colocam nesse papel, me desumanizam mais uma vez”, afirma.
Em abril deste ano, um mês após o início da quarentena no Brasil, a ideia de criar conteúdo foi ganhando força na vida de Lele. O termo PcD foi outro ponto a ser modificado por Lele. Para ela, “preta com deficiência” se encaixa melhor em seu contexto de mulher negra.
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“Recebi muito apoio e incentivo de pessoas que acreditam mais em mim do que eu mesma. Mas, antes, precisava de um tempo para firmar a minha autoestima. Se não estivesse bem comigo mesma, críticas teriam me feito muito mal e não saberia separar o pessoal do profissional”, relembra.
Na produção de conteúdo, ela escolheu se apresentar como um todo. “Queria que fosse a Alessandra ali, não somente o que as pessoas me consideram como minoria e que me silenciam enquanto pessoa”, explica. Atualmente, ela soma 26,4 mil seguidores no Instagram. “Fiz a minha primeira viagem de avião por causa de uma marca. Sonhava com muita coisa, mas nunca imaginei que realmente fosse acontecer”, diz.
Profissão: influenciadora
Além dela, Lorrayne Carolyne é outra personalidade notável nas redes. A jovem de 18 anos nasceu com osteogênese imperfeita, condição conhecida como “doença dos ossos de vidro”, e compartilha dicas e tutoriais na web desde o ano passado.
“Gosto de falar sobre tudo, principalmente sobre cabelo e maquiagem. Precisamos dar mais atenção a quem produz conteúdo sobre isso e tem deficiência. Tem muita gente boa por aí e que sabe falar de tudo”, explica. Atualmente, a influenciadora digital mora em Franca, interior de São Paulo.
A mensagem transmitida por ela ultrapassa os limites do beauté. Lorrayne, assim como Lele, é um símbolo do empoderamento da mulher negra a partir do protagonismo e da luta contra o capacitismo. Sem medo de tentar, ela segue trabalhando e querendo conquistar o que lhe é devido.
A produção do conteúdo é diária e ficou ainda mais frequente neste ano, por conta do distanciamento social. A agenda de Lorrayne é composta, majoritariamente, por gravações e criação de vídeos, Stories e Reels para o Instagram, rede na qual acumula 377 mil seguidores.
O trabalho árduo tem um objetivo final: o sucesso. “Quero ser muito reconhecida um dia, ter mais visibilidade e mais voz para alcançar mais pessoas. Pode ser difícil, mas acredito que posso ir muito longe”, pontua.
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Preconceito
Em relação a comentários negativos e preconceituosos, as duas influenciadoras celebram a qualidade de público que conquistaram. Segundo elas, as pessoas que as acompanham estão dispostas a aprender e ressignificar crenças capacitistas.
“Na web, criei uma bolha de segurança em que não sou atacada. As pessoas me respeitam e entendem. No dia a dia, por outro lado, é difícil. Quando veem uma mulher negra, sentem medo. Quando veem uma deficiente, sentem dó”, diz.
Para Lorrayne, além de olhares e comentários preconceituosos, é preciso lidar com a inexistência de acessibilidade na maioria dos espaços. “Falta muita coisa para realmente podermos dizer que está tudo bem. Desde as ruas esburacadas e sem rampas a lojas com prateleiras super altas e com provadores minúsculos. Tem muita coisa para melhorar, mas é muito bom sentir que estamos no caminho”, afirma.
De acordo com Lele, é importante entender que a maior parte dos grandes nomes com deficiência na internet fazem menção ao capacitismo. “Quem não faz acaba sendo deixado de lado, por não se permitir ser uma inspiração”, salienta.
Outro ponto muito abordado por Lele é o racismo dentro do capacitismo. Segundo ela, a maioria das pessoas produtoras de conteúdo são brancas de classe-média, diferente da realidade brasileira.
“Há muitos PcDs negros e com pouca visibilidade. Essas pessoas não deveriam estar fazendo mais? As empresas não deveriam estar colocando-os em publicidades? Por que não temos a mesma atenção?”, questiona Lele.
Acessibilidade e make
Em busca de ampliar o acesso à beleza, o jornalista e maquiador Tássio Santos lançou, em novembro, o primeiro podcast de maquiagem para cegos do Brasil. O programa, intitulado Sentidos da Beleza, ensina, em seis episódios, técnicas de automaquiagem para pessoas com deficiência visual.
Sensível às causas da minoria e ávido por impactar positivamente a vida das pessoas, a ideia de Tassio foi definida em 2018 e seria colocada em prática neste ano, em uma oficina presencial. Mas, devido à pandemia do novo coronavírus, ele teve que adiar o sonho e encontrar novas possibilidades.
Os assuntos vão desde a maneira correta de aplicar a base até o caminho ideal para conquistar o delineado perfeito. “Beleza pra mim é reconhecer que somos múltiplos, diversos, que somos diferenciados. É mover estruturas, quebrar normas, romper regras”, diz.
“Não é só se sentir bem, é poder se sentir bem do jeito que é, e do jeito que a estrutura hoje funciona, do jeito que esse sistema funciona não é todo mundo que tem essa mentalidade plena de se sentir belo”.
O podcast Sentidos da Beleza está disponível nas plataformas Google Podcast, SoundCloud, Spotify, Podcasts da Apple e Deezer.