Com tipo raro de vitiligo, influencer é símbolo de representatividade
Barbarhat tem o tipo mais raro da condição, que atinge acima de 70% do corpo, e luta pelo fim dos estigmas e pela autoaceitação
atualizado
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Previstos em uma sequência genética muito complexa, são pequenos detalhes que nos tornam únicos. Para alguns, a singularidade floresce na pele, em forma de despigmentação. É o caso das pessoas com vitiligo. Em uma sociedade que, por muito tempo, ficou estagnada em um único tipo de padrão de beleza, nascem mulheres livres, dispostas a extrapolar os limites das “caixinhas” e fazer a diferença.
É com a frase “quebrando padrões e consertando espelhos” que a influenciadora Barbarhat Sueyassu se apresenta no Instagram. A paranaense, portadora de vitiligo universal — um tipo ainda mais raro da condição autoimune —, é um símbolo de representatividade para seus quase 80 mil seguidores. “A gente não aguenta mais carregar estigmas que não nos servem mais”, disse a influenciadora, em entrevista ao Metrópoles.
O vitiligo universal é caracterizado por uma pessoa que apresenta mais de 70% da superfície da pele e mucosas despigmentadas. É um quadro muito raro. A literatura científica fala em torno de 5% dos portadores da condição, hoje cerca de 1% da população mundial.
Recentemente, um vídeo da produtora de conteúdo viralizou. A publicação foi inspirada por uma fala carregada de estereótipos proferida pela ex-participante do BBB21, Karol Conká, durante o reality. Em uma conversa com outros brothers, a rapper falou especificamente sobre o caso do cantor Michael Jackson.
Karol afirmou que o rei do pop “queria ficar bem branquinho”, e também opinou alegando que o astro “ficou feio”. Ainda sobre o assunto, quando mencionaram o vitiligo que afetou o cantor durante grande parte de sua vida, a cantora disse que “não existe esse vitiligo” que afeta uma porção tão grande do corpo e que ele tinha um fator “emocional” para acelerar o desenvolvimento da doença.
Barbarhat tem o mesmo tipo de vitiligo que Michael Jackson e se uniu a outras milhares de pessoas com o tipo de despigmentação que se incomodaram com o discurso equivocado de Karol. “O maior problema desse vídeo foi ela ter feito afirmações sobre um tema que claramente desconhece”, pondera a paranaense.
“Esse tipo de posicionamento contribui para que as pessoas reproduzam pensamentos equivocados, o que resulta em mais estigma em nós”, completa.
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A pele em que habito
Foi aos quatro anos que as primeiras manchinhas começaram a surgir na pele de Barbarhat. Porém, ela relata que nunca se incomodou com os sinais, nem se questionou por conta deles, até começarem a surgir os “apelidos” que se apresentavam em formato de bullying na escola. “Já fui onça pintada, zebra, dálmata e gata rajada. Me chamavam de todo tipo de animal de pintinha”, lembra.
Preocupados com o efeito que esse tipo de estigma poderia trazer para a autoestima da filha, os pais dela, além de oferecerem amparo familiar, procuraram ajuda profissional. Foi com o acompanhamento de um psicólogo desde os 6 anos que a modelo aprendeu a se aceitar e decidiu interromper qualquer tipo de tratamento, deixar de lado maquiagens e abraçar suas marcas únicas.
“A aceitação do vitiligo está diretamente ligada à uma aparência física inconstante, porque não se sabe qual o caminho que as manchas irão percorrer ao longo da vida — se irão aumentar, diminuir ou estagnar. É preciso que rompamos até mesmo os nossos próprios padrões”, reitera Barbarhat.
Terapia inspirou carreira
De acordo com o psicólogo Carlos Augusto Muramoto, da Zenklub, o acompanhamento psicológico é fundamental, especialmente para desmistificar o estigma que pode vir a acometer a vida do paciente. “Podem surgir várias demandas psicológicas e de autoestima, além de um potencial medo de rejeição, por ser “diferente” de colegas, amigos e parentes”, afirma.
Por conta da relação direta com a exposição social do paciente, segundo o profissional, muitos podem desenvolver indícios de fobia social, depressão, ansiedade e suas variantes, além de, dependendo do grau destas patologias, levar a pensamentos ainda mais graves.
O cuidado profissional inspirou Barbarhat que, aos 14 anos, já sabia o caminho que queria trilhar ao cursar psicologia. “A minha escolha de graduação foi 100% impactada pelo que eu vivi”, diz. Mesmo como produtora de conteúdo, “é uma área que eu nunca vou largar, porque lidamos com pessoas todos os dias”, garante.
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O vitiligo universal
O dermatologista Eugênio Reis, do Hospital Brasília, explica que o vitiligo é uma doença adquirida, não contagiosa, em que ocorre uma perda da pigmentação natural da pele. No quadro, há um dano às células chamadas melanócitos, responsáveis pela formação da melanina que colore a cútis.
“Nos locais em que há vitiligo, existe uma ausência de melanócitos funcionais na pele”, explica o médico. Assim, ele é caracterizado por máculas e manchas de despigmentação delimitadas, que são vistas como manchas de cor branca.
O vitiligo universal é um quadro ainda mais raro, no qual os pacientes têm perda de 70% ou mais da pigmentação da derme, a exemplo do cantor Michael Jackson. Nenhum vitiligo é igual ao outro, e os rumos da condição se desenvolvem de forma imprevisível.
Por ter um curso crônico e variável, a condição exige um tratamento contínuo e lento. Segundo o profissional, 50% dos pacientes sofrem discriminação social pela presença das manchas e 20% relatam que são tratados de forma rude. Por isso, o quadro pode comprometer de maneira importante a qualidade de vida de seus portadores.
Redes de apoio
“Preconceito? Isso ainda existe, em pleno século 21?”, brinca a influenciadora. Nativa do universo das redes sociais, ela lembra que ainda precisa lidar com comentários negativos, mas que tem muito apoio dos amigos e seguidores. Felizmente, são situações raras.
Ela já recebeu mensagens carregadas de ódio e de pressão estética, já teve fotos espalhadas em grupos de Facebook e foi tema em debates de cunho racial. “São principalmente fetichização e alguém querendo ‘tirar sarro da minha pele’”, explica. Para lidar com os haters, ela recomenda expor a situação abertamente e contar com a ajuda de pessoas queridas. “Muito além de condenar, também podemos ensinar”.
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Representatividade
O mercado está mais aberto para as pessoas com vitiligo após a modelo canadense Winnie Harlow abrir caminhos. Porém, nem sempre foi assim. Quando criança, a psicóloga relata que não via ninguém na mídia parecido com ela. “Apenas o Michael, que tinha vitiligo, mas vivia um processo difícil, em que ele era discreto para não conviver com algumas crueldades”, declara.
“Ao crescer, eu não tive essa figura, e precisei ser o meu próprio símbolo de representatividade. Mas a internet também nos trouxe isso, um mundo em que você não está sozinho”.
A brasiliense Larissa Sampaio também aprendeu a se amar com todas as suas manchinhas. Agora, ela carrega o orgulho de ter transformado seu “calcanhar de Aquiles” em superpoder. Em entrevista ao Metrópoles, ela contou que também assume para si a missão de inspirar outras vítimas da condição autoimune a fazerem o mesmo.
Barbarhat, que tem uma rede de apoio nas mídias, dá boas dicas para encurtar o caminho rumo à aceitação: “Não precisamos passar por isso sozinhos. O processo precisa ser respeitoso e não acontece de um dia pro outro. Não se culpe por não ter chegado lá ainda”, recomenda.
“Mas, para que aconteça é necessário dar o primeiro passo, você pode começar se entendendo como um ser único e inimitável, que não precisa ser igual e se encaixar em uma caixinha padronizada que não seja do seu tamanho. Conhecer sobre a sua condição também te liberta”.