BB Glow: “base permanente” no rosto é risco para saúde?
Ao contrário do que diz agência vinculada ao Ministério da Saúde, especialistas alegam que pigmento usado para camuflar a pele é inseguro
atualizado
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Um procedimento indolor que promete uma pele digna de filtro do Instagram e não oferece grandes riscos à saúde. Assim é vendido o BB Glow, método de origem coreana que tem invadido centros estéticos brasileiros. Apesar de ser difundida nas redes sociais como a nova aposta da indústria da beleza e ter o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a técnica é condenada por especialistas, que a definem como invasiva e perigosa.
Realizado por esteticistas e biomédicos, o BB Glow consiste na aplicação de séruns e pigmentos no rosto por meio de sessões de microagulhamento. O foco é camuflar e tratar manchas de sol, melasma, rosácea e linhas de expressão, deixando a pele com efeito de porcelana pelo período de quatro meses a um ano. O procedimento não tem resultados respaldados pela ciência e é comumente chamado de “tatuagem facial”.
Oferecido no país desde o começo deste ano, o pigmento acaba de ser liberado pela Anvisa como cosmético grau 1 (isento de registro), mesma categoria de bases convencionais de maquiagem. À reportagem, a justificativa do enquadramento, que não exige comprovações de eficácia tampouco controle técnico de qualidade, é de que o BB Glow “oferece baixo risco sanitário”.
A alegação é refutada. “A posição da Anvisa, neste caso, é questionável. O produto contém ativos perigosos para a saúde em médio e longo prazo, tais como dióxido de titânio, comprovado cientificamente que reage mal à presença de raios ultravioletas, podendo causar câncer de pele; e hidróxido de alumínio, capaz de acelerar processos neurodegenerativos como Alzheimer e Parkinson”, analisa a presidente da Associação Nacional dos Esteticistas e Cosmetólogos (Anesco), Noêmia Martins de Carvalho da Cunha.
“Além disso, a agência reguladora, ao dar aval para a comercialização desse pigmento, parece não levar em consideração a sua aplicabilidade. Como a solução é injetada por microagulhamento, ela não pode ser retirada do rosto com um simples demaquilante, como uma maquiagem regular. Os pacientes insatisfeitos com o resultado têm que se submeter a laser ou peeling para tentar reverter a situação”, acrescenta, afirmando que a associação não corrobora com a realização desse método por esteticistas.
“A Anesco sugere que a Anvisa abra investigação em carácter de urgência sobre o BB Glow, já que se trata de um processo de real interesse público que expõe riscos à integridade física e à saúde da população”
Presidente da Associação Nacional dos Esteticistas e Cosmetólogos (Anesco), Noêmia Martins de Carvalho da Cunha
O Conselho Federal de Biomedicina (CFBM) também se posiciona contrário ao procedimento. Em nota ao Metrópoles, a entidade salientou que “não há evidência científica da eficácia do tratamento” e que “o biomédico flagrado pela fiscalização utilizando a técnica será denunciado e responderá eticamente por realização de atividade não reconhecida e regulamentada”.
A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) definiu o método como invasivo e demonstrou descontentamento com a sua popularização. “O microagulhamento é um procedimento invasivo e deve ser realizado somente por médicos. Um dos riscos é o contato direto dos pigmentos do BB Glow com a derme, que provoca um efeito de tatuagem e pode prejudicar a identificação de possíveis doenças de pele”, revela a coordenadora do Departamento de Lasers e Tecnologias da SBD, Taciana Dal’Forno Dini.
Fora problemas mais severos, a médica diz que a técnica pode causar complicações estéticas. “Os pigmentos podem mudar de cor com o passar do tempo, deixando um efeito indesejado e de difícil tratamento”, avalia. Ela ainda garante que os especialistas associados à SBD estão atentos a orientar e atender qualquer complicação causada pelo procedimento.
A Anvisa tem por finalidade promover a proteção da saúde da população, por intermédio de controle sanitário da produção e do consumo de produtos e serviços. Centros de estética do país que ofertavam o BB Glow antes mesmo do posicionamento favorável da autarquia agora têm se amparado na validação dela para lucrar ainda mais em cima do procedimento, sem se atentarem à composição do pigmento ou aos estudos científicos acerca dele.
Vale ressaltar que as polêmicas câmaras de bronzeamento, famosas no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, eram permitidas pela Anvisa, com ressalvas, até 2009. O motivo da proibição foi um estudo da Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer, ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), que comprovou que o bronzeamento artificial aumenta em até 75% o risco de desenvolvimento de melanoma, tipo mais grave de câncer de pele. Até serem banidas, as câmaras eram amplamente utilizadas no país.
Antes de embarcar nas novas promessas da beleza, portanto, a SDB indica que a população confirme se há liberação da agência e procure um dermatologista de confiança, que esteja atento às novidades e pesquisas do setor.
Médio a longo prazo
Na capital federal, uma sessão de BB Glow pode chegar a R$ 650. Via de regra, a recomendação aos pacientes é de três a cinco intervenções. A estudante Heloísa Rabelo, de 21 anos, se submeteu ao procedimento recentemente. O objetivo era amenizar cicatrizes de acne. “Fiquei sabendo da técnica pelo Instagram e, após ser liberada em uma avaliação para verificar se tinha alguma alergia aos componentes do pigmento, decidi testá-lo. Finalizei o tratamento há cerca de um mês e estou satisfeita com os resultados”, relata a brasiliense. O método foi realizado na clínica BelaBia, na Asa Norte.
A dermatologista Daniela Neves alega que, de início, os resultados podem ser realmente satisfatórios. “Além dos riscos comuns a procedimentos que envolvem agulhas, como infecção por material mal esterilizado e contaminação por vírus, o BB Glow pode, em um primeiro momento, disfarçar imperfeições, mas há, sim, riscos a médio e longo prazo”, reitera a especialista.
E é aí que mora o problema. A proprietária de uma loja de alto padrão no Lago Sul, depois de se submeter ao procedimento e gostar dos resultados à primeira vista, fez parceria com a BelaBia e lançou, há duas semanas, uma promoção na web. Quem fizesse compras na butique sob comando dela no dia do lançamento de determinada coleção ganhava 30% de desconto no BB Glow. Dessa forma, o método tentador, vendido como inofensivo, é disseminado.
Para quem já leu sobre o procedimento na internet e se sentiu seduzido pelos resultados prometidos, Daniela indica alternativas seguras com efeitos similares. “Felizmente, temos diversos tratamentos com tecnologias, como os lasers, já consagrados em todo o mundo e com comprovação cientifica. Visite o consultório de um dermatologista e descubra o mais adequado para você”, sugere.
Sem pré-requisito
De acordo com Noêmia Martins de Carvalho da Cunha, não são apenas as sessões do procedimento que têm se alastrado pelo país. “Cursos de BB Glow também. Eles não costumam ter pré-requisitos e, às vezes, são ministrados em casas residenciais, sem padrões de esterilização e controle de higiene. Em 10 anos de profissão, nunca vi um caso tão alarmante quanto esse”, expõe.
No Distrito Federal, existem alguns estabelecimentos que ensinam a metodologia. No Studio Amanda Küster, por exemplo, o curso – com duração de um dia – custa R$ 2,3 mil mais taxas, com kit de pigmentos incluído. “Por se tratar de um procedimento muito novo no mercado brasileiro, há muita discussão entre profissionais sobre a segurança da aplicação. Eu, como profissional habilitada para realizar o método, confio na segurança e performance do tratamento”, posiciona-se Amanda, com orgulho de ter ensinado a técnica a 20 pessoas.