Projetos acadêmicos repensam os espaços públicos de Brasília
Para revitalizar a área que é viva durante o dia mas fica deserta à noite, estudantes e arquitetos propõem mudanças para Rodoviária e Conic
atualizado
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Brasília mudou muito desde o projeto inicial. Apesar de ser uma cidade tombada e, na visão de muitos, engessada, a maneira de habitá-la foi transformada com o passar dos anos. O Plano Piloto foi pensado para abrigar 500 mil pessoas, mas viu esse número se multiplicar muitas vezes. Hoje, o brasiliense quer ocupar a cidade, não quer mais depender de carro para circular, não quer só viver a cidade durante o horário comercial.
Brasília não favorece muito quem se locomove a pé, apesar de Lúcio Costa ter previsto “acesso franco aos pedestres”. “Você não morre de pena quando vê um turista caminhando pelo gramado central da Esplanada? Ou quando você está no Setor de Autarquias Sul e o único acesso para o Setor Bancário Sul é uma escada estreita, fedida e perigosa?”, questiona a arquiteta, professora e doutora Gabriela Tenório, que escolheu este pedaço da cidade como objeto de estudo.
“Ao nos atraírem para os espaços públicos, essas iniciativas aproveitam e nos ajudam a ter respeito, dar valor e aprender a lidar com o que é comunitário, a sentir que a cidade é um pouco mais nossa, mas que também é do outro, o qual temos que respeitar”, explica a professora.
O futuro na ponta do lápis
A academia também vem pensando o centro da capital, e não são poucos os projetos de conclusão de curso que imaginam um futuro diferente para a área entre a Rodoviária e o Conic. Saem os carros e os estacionamentos e entram pedestres, feiras, restaurantes. É difícil mudar o que está previsto e tombado, mas são muitos os projetos experimentais que sonham uma nova forma de ocupar a capital e nascem para fomentar o debate sobre como usar o centro da cidade, tão vivo durante o dia e quase deserto à noite.
O projeto de Gabriela Cascelli, orientado por Gabriela Tenório e pela professora Flaviana Lira, por exemplo, sugere a utilização do espaço de dois estacionamentos para criação de praças arborizadas que atraiam o pedestre e o façam querer, de fato, passar seu tempo lá. A arquiteta estudou o local e descobriu que o número de pedestres e usuários de transporte público é muito maior do que o número de carros, e que o espaço gasto por eles poderia ter novos usos.
Já a arquiteta Eduarda Aun pensou uma nova maneira de viver o Conic. A área é polêmica: já foi de ponto de drogas a comércio vivo e hoje passa por uma ressignificação com a volta da Faculdade Dulcina de Moraes e as festas realizadas no local. O brasiliense vai perdendo o medo e frequenta cada vez mais o Setor de Diversões Sul. Em seu projeto, Eduarda conversou com quem frequenta o local para levantar demandas. Ela propõe a revitalização de praças como a do Aposentado, na área traseira do Setor, assim como a criação de locais cheios de grafite e arte, que são a cara da diversidade que só encontra por lá.
“Se no Rio de Janeiro, por exemplo, é possível tomar uma cerveja olhando o Pão de Açúcar, por que não podemos fazer o mesmo em Brasília? Aquela área é tão privilegiada, fácil de chegar, cheia de estacionamento, mas fica inóspita depois das 18h”, explica o arquiteto Clay Rodrigues, do escritório Debaixo do Bloco Arquitetura.
O escritório do arquiteto criou, então, um projeto experimental para a área. Não há intenção de tirá-lo do papel, visto que é difícil driblar o tombamento. O objetivo é levantar uma discussão e levar o olhar do morador da cidade para o espaço. “A ideia principal é ceder o espaço público para o pedestre e não mais para o automóvel. Modificamos um pouco as vias para obrigar o carro a diminuir bastante a velocidade naquela área, a um máximo de 20 km/h”, conta Clay. O projeto também prevê ilhas para preparar o espaço para receber qualquer tipo de evento: feiras, encontro de food trucks, festas ou apenas a instalação de bares e restaurantes.
Como melhorar sem mexer?
Segundo Gabriela, é possível sim transformar o centro sem desrespeitar o tombamento. Em sintonia com grandes capitais mundiais, o foco só precisa os pedestres e ciclistas. E esse pensamento é o que une quase todos os projetos experimentais.
A saída seria criar praças atrativas e com desenho contemporâneo, aumentar a gama de atividades ofertadas na região, dar continuidade aos trajetos. “Tudo isso sem que Brasília seja menos Brasília. Ao contrário, será muito mais Brasília porque as pessoas, permanecendo mais no centro, usando-o mais, serão parte dessa experiência urbana inigualável e dessa paisagem arrebatadora.”