Além de Niemeyer: 5 nomes importantes para identidade de Brasília
Design das placas e nova roupagem do metrô são apenas algumas das contribuições desses artistas para cidade, aniversariante do dia
atualizado
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Brasília nasceu imponente. Planejada para ser a nova capital do país, a menina dos olhos de Juscelino Kubitschek, que completa 61 anos nesta quarta-feira (21/4), foi esculpida por profissionais reverenciados internacionalmente. Não à toa, a cidade passou pelo crivo da Unesco e conquistou o título de Patrimônio Cultural da Humanidade em 1987, tornando-se a maior área tombada de todo o planeta.
Impossível falar sobre a emblemática arquitetura da capital sem mencionar, por exemplo, o urbanismo sem precedentes de Lucio Costa, as curvas monumentais de Oscar Niemeyer, emolduradas pelas artes vivas de Burle Marx, e os azulejos quase onipresentes de Athos Bulcão. No entanto, há muitos outros nomes por trás desta inconfundível identidade visual de Brasília.
Embora pouco conhecidos pelo grande público, esses artistas também abraçaram a proposta audaciosa da capital e agregaram à sua funcionalidade e estética de maneira harmoniosa, deixando legados.
Conheça cinco dessas figuras, ainda em constante produção, a seguir:
Danilo Barbosa, o pai das placas
Danilo (foto em destaque) tinha apenas 18 anos quando pôs os pés pela primeira vez em Brasília, oito anos após a inauguração da cidade. As primeiras placas da capital, pouco informativas e sem padronização, de nada ajudaram o jovem do interior de São Paulo a entender a logística das entrequadras. Naquela época, o então estudante de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) sequer podia imaginar que poucos anos mais tarde seria ele o desenvolvedor do criterioso projeto de sinalização da cidade.
O convite surgiu em 1975, quando o profissional, já graduado, passou a integrar de maneira definitiva a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), empresa estatal para qual já tinha cooperado. “Entrei em janeiro e, em outubro, demos início ao projeto”, rememora Danilo, apelidado carinhosamente de pai das placas. O objetivo era criar modelos com legibilidade, codificação cromática e à altura do projeto arquitetônico da cidade.
Depois de muitos testes, a fonte escolhida pelo arquiteto e sua equipe de 12 profissionais, entre estagiários e desenhistas, foi a Helvética, por oferecer melhor legibilidade. Os tons que pigmentam as placas também não foram escolhidos ao acaso. A cor verde é direcional, indica o local para onde se está indo. Já o azul demarca o lugar onde a pessoa está. As placas marrons, por sua vez, foram acrescentadas para a Copa do Mundo de 2014 e ajudam a sinalizar os principais pontos turísticos da cidade.
Danilo revela a que credita o sucesso das placas, ícones importantíssimos da capital. “À equipe! Diversos escritórios fora do Distrito Federal demonstraram interesse em assumir o projeto, inclusive um renomado dos Estados Unidos. Mas foi muito acertado selecionarmos apenas trabalhadores daqui, que conheciam e entendiam bem a essência da cidade”, acredita.
Além de serem abraçadas pela população, as placas brasilienses foram reconhecidas pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA. Em 2012, a famosa galeria, uma das mais respeitadas do mundo, selecionou uma das sinalizações da capital para fazer parte de seu acervo permanente, um feito para poucos.
Daniela Diniz e a nova roupagem do metrô
As novas estações do metrô da 106 e 110 Sul, conhecidas pela identidade visual que orna perfeitamente com o projeto arquitetônico de Brasília, foram idealizadas pela arquitetura e urbanista Daniela Diniz, ex-diretora técnica do Metrô-DF, e sua equipe. Radicada em Brasília desde a infância, a alagoana de 53 anos também esteve à frente das reformas das estações Arniqueiras e Estrada Parque.
“Brasília foi projetada em 1960, auge da valorização dos automóveis. Porém, com o avançar da idade, a capital já compreende bem a importância do transporte coletivo”, observa Daniela, que trabalhou como diretora técnica do Metrô entre 2015 e 2018, mas segue como funcionária da companhia. “Por isso, o esforço contínuo de inserirmos novas estações e melhorarmos as antigas em conjunto com a nossa equipe de engenheiros, respeitando sempre o conceito da cidade”, comenta a profissional, que é especialista em sistemas de transporte em massa e também professora de Arquitetura e Urbanismo da UnB.
Daniela diz que o projeto das estações foi intergeracional. Contou com o talento de jovens brasilienses, a exemplo de Paula Farage, Reinaldo Navarro, Alessandro Nogueira e Ricardo Theodoro.
Destaque para as cerâmicas dos acessos às estações da 106 e 110 Sul, criada nos tons do Metrô (laranja, azul e branco), e para a nova comunicação visual dos subsolos, que influencia das sinalizações à coloração dos pisos táteis.
Rogério Reis e seu museu a céu aberto no Noroeste
Quem caminha pelas ruas do Noroeste, mais novo bairro da capital federal, tem o privilégio de admirar esculturas de grandes artistas. Um deles é o carioca Rogério Reis, de 50 anos, formado em Desenho Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
As obras de arte do profissional, morador de Brasília desde o primeiro ano de vida, já viraram uma característica da região. Ao todo, são mais de 15 espalhadas pelo bairro.
“A lei 2.365, aprovada em 1999, determina que todo edifício ou praça com área igual ou superior a mil metros quadrados deve conter uma obra de arte. É o caso das construções do Noroeste”, explica o artista, aficionado por telas e esculturas desde os 13 anos, quando pediu de presente de amigo oculto uma lata de spray para criar.
As peças de Rogério, com diversos projetos engatilhados na capital, tem cerca de 3 metros e meio de altura. Produzidas sobretudo em aço, elas são monocromáticas ou multicoloridas, mas em geral curvilíneas.
“Me tornei artista graça à cidade de Brasília. As curvas de Niemeyer são a minha maior fonte de inspiração”, afirma o criativo.
Marcos Decat França e suas esculturas e painéis
Mineiro de nascimento, carioca de criação e brasiliense de coração, Marcos Decat França bebeu direto da fonte de Niemeyer e Athos Bulcão. Aluno dos mestres nas obras da capital ou aulas da UnB, o artista de 80 anos tem diversas obras espalhadas pela cidade e já ajudou a formar artistas de regiões carentes do DF, como Sobradinho e São Sebastião.
“Auxiliei na construção da Catedral e do Minhocão. À época, sabia que estava lidando com grandes nomes da arte e da arquitetura, como Niemeyer Alfredo Ceschiatti e Glênio Bianchetti, mas não tanto”, brinca. “Tentei passar um pouco de toda essa minha experiência para jovens com aulas gratuitas em regiões humildes do DF, infelizmente interrompidas devido à pandemia de coronavírus“, acrescenta.
No portfólio, o filho de mãe artista e inquieto criador possui as esculturas da Administração do Lago Sul, da entrada do Iate Clube e da estação do metrô da 102 Sul.
“Vim para Brasília com meu pai, Manoel França Campos, grande amigo de Juscelino [Kubitschek] e deputado federal, e daqui nunca mais sai”, conta Marcos, ainda extremamente ativo na produção de quadros e painéis, como o que emoldura as paredes da estação do metrô da 108 Sul.
Rogério Carvalho e a arte de restaurar
Tão importante quanto criar é preservar. Esse é o lema do arquiteto e restaurador Rogério Carvalho, de 48 anos. Formado pela UnB, o profissional nascido no Rio de Janeiro e criado na capital federal construiu carreia no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), onde capitaneou as reformas da Igrejinha de Fátima e da Capela do Alvorada.
“Também fiz parte da equipe de restauração e resgate da identidade dos palácios da Alvorada e do Planalto”, destaca.
A Igrejinha, no entanto, foi seu trabalho de maior destaque. “Via turistas entrando na capela maravilhados, e saindo de lá cabisbaixos. O interior da igreja, descaracterizado logo após sua criação por moradores que consideravam as artes de suas paredes profanas, realmente deixava a desejar”, revela.
Com auxílio de outros restauradores, Rogério refez o interior da capela, ornamentado por Athos Bulcão e Alfredo Volpi a pedido de Niemeyer. “Convidei o artista Francisco Galeno, de Brazlândia, para refazer as pinturas nas paredes de Volpi, aquelas detonadas por religiosos fanáticos que não gostavam das bandeirolas de São João e outros detalhes, mas em um painel de mdf removível, para não interferir na história da estrutura”, declara. O altar, os bancos e os azulejos externos também foram reparados.
Após pesquisa com a comunidade, Rogério decidiu pedir a Galeno para substituir a imagem santa de Volpi, uma Nossa Senhora do Rosário, pela Nossa Senhora de Fátima, para fazer jus ao nome da igreja. Outros elementos escolhidos pelo Alfredo, a exemplo da cor azul cobalto nas paredes internas, entretanto, foram preservados.
A obra, finalizada em 2009, foi um desafio, haja vista que o patrimônio de Brasília é tombado. “Tivemos que respeitar o espaço de Lúcio Costa, o projeto da Igrejinha, concebido por Niemeyer, o paisagismo de Burle Marx e as obras de Volpi e Athos. A ideia foi repaginar sem descaracterizar”.
Um espaço que ainda precisa ser restaurado (e com urgência), segundo o profissional, é a Praça das Fontes, dentro do Parque da Cidade. “Um dos projetos mais lindos de Burle Marx está todo degradado. Sem fontes, sem pintura. Adoraria tocar esse projeto”, diz, ressaltando a importância de políticas de conservação e restauração para a manutenção dos cartões-postais da cidade. “Afinal, a nossa jovem senhora já requer cuidados”, finaliza. Rogério deixou o Iphan e agora atua como curador de arte.