Vale a pena ser servidor público com a estabilidade em risco?
Projeto de lei que tem regras mais rígidas de avaliação de desempenho e possibilidade de demissão avança no Senado
atualizado
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A estabilidade é uma das maiores vantagens oferecida aos profissionais que escolhem o setor público. A garantia parte do princípio de que as avaliações de desempenho previstas pela Emenda Constitucional nº 19, editada em 1998, ainda não têm regulamentação e que os processos disciplinares administrativos são morosos e aplicados apenas em casos bastante graves. A cada dia, essa realidade está mais perto de acabar.
O projeto de lei que determina as regras e os procedimentos de apuração da qualidade do trabalho dos servidores públicos avançou mais uma vez. Depois de ter sido aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), foi a vez dos parlamentares da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) apresentarem o parecer favorável.
A matéria ainda tem pela frente a avaliação nas comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC). Entretanto, ela pode pegar um atalho e ir direto para o plenário da Casa, caso o requerimento de urgência apresentado pela relatora, senadora Juíza Selva (PSL-MT), seja atendido.
Ponto de virada
Atualmente, depois de três anos de atividade, o concursado passa a ser estável, só podendo ser exonerado por decisão judicial ou processo administrativo disciplinar. Apesar de ser submetido a avaliações de desempenho desde o primeiro momento, não há padrão nem requisitos formatados. O resultado são apurações mais baseadas no corporativismo e boa convivência do que no acompanhamento de um trabalho satisfatório.
A pauta esperou por quase uma década para começar a ser debatida entre os parlamentares. Se aprovada, passa a ter impacto nos servidores públicos federais, estaduais, distritais e municipais, nos três poderes e com igualdade de regras e punições. A iniciativa é da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE). Na CCJ foi apresentado um texto substitutivo e emendas, pouca coisa mudou na proposta aprovada na CAS.
Quando foi apresentado em audiência pública, ainda em 2017, a proposta tinha duras críticas de entidades representantes dos servidores públicos. Em contrapartida, ao longo da tramitação, boa parte dos senadores envolvidos aprovaram e defenderam que esse será um mecanismo para melhorar a qualidade e a eficiência dos serviços prestados à população
Sem punição
No discurso dos parlamentares, a definição de medidas que ameaçam a estabilidade não tem por objetivo punir o profissional, mas incentivá-lo a manter uma entrega satisfatória. Caso entre em vigor, as avaliações serão anuais e atenderão a critérios pré-estabelecidos informados por uma comissão tríplice: chefia imediata, um colega da mesma unidade e outro indicado pelo órgão de recursos humanos da instituição. Originalmente, a cada seis meses, o chefe imediato apresenta seu parecer.
A exoneração continua sendo um caminho longo. Para ser demitido, o servidor deverá ter avaliações no conceito N (não atendimento) por dois anos seguidos ou não alcançar o conceito P (atendimento parcial) por cinco anos e, ainda, não ser convincente em sua defesa e recurso. Por fim, se tiver as alegações negadas, há a possibilidade de apelar para a autoridade máxima do órgão em que está vinculado e está condicionada a um processo administrativo disciplinar, como existe atualmente.
Isso quer dizer que para ser retirado, o profissional terá uma série de possibilidades de reverter o contexto e se manter em suas funções. Uma das questões atenuantes é o quadro de saúde mental, assunto que tem sido preocupação crescente na administração pública.
Algumas carreiras, como as típicas de Estado, ou seja, policiais, procuradores, defensores públicos, entre outras, tinham a previsão de itens próprios no processo de monitoramento, entretanto, as particularidades ficarão a cargo da última etapa, administrativa, exclusiva de cada poder.
Visão prática
Na prática, a estabilidade não está mais ameaçada do que sempre esteve. A única mudança será a clareza de como o procedimento deverá ser feito a partir da vigência da nova lei. Isso quer dizer que o mecanismo protege os bons servidores e exclui a possibilidade de que um trabalho aquém das necessidades do Estado e da população seja perpetuado.
A mudança é quesito considerado essencial para a realização do concurso da Câmara dos Deputados. O presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) anunciou há alguns meses que não tinha interesse em abrir qualquer processo seletivo sem que as normas fossem definidas.
Acelerar a tramitação também faz parte da agenda de mudanças administrativas do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Para o segundo semestre, depois do empenho com a reforma da Previdência, a equipe do Executivo federal pretende ressuscitar a proposta de limitação dos salários iniciais apresentada ainda no governo de Michel Temer e engavetada por falta de contexto político. Segundo a ideia inicial, haverá redução no número de carreiras e ampliação dos níveis para distanciar a nomeação do topo. O salário inicial para cargos de nível superior será de R$ 5 mil e de nível médio, R$ 2,7 mil.