Dividir compra de apostila ameaça sonho de se tornar servidor
Comprar material de terceiros ou rateá-lo fere lei de direitos autorais e pode cancelar aprovação de candidato flagrado na prática ilegal
atualizado
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Qualquer concurseiro quer encontrar facilmente, em sites ou redes sociais, videoaulas ou cursos por escrito pelos quais possa pagar um valor bem inferior ao cobrado pelas empresas preparatórias. O rateio – comprar o acesso ou material dividindo o valor entre vários usuários – é muito comum, mas pode ser uma prática perigosa para quem pretende concretizar o sonho de ser servidor público. Muitos estudantes não sabem e outros não se importam, mas essa aquisição se enquadra no crime de pirataria e violação de direitos autorais. E, não raro, tem sido feita por quadrilhas que estão sendo presas e processadas.
A Polícia Civil e a Polícia Federal estão à frente das investigações e contam com apoio da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), entidade representativa das 10 maiores empresas do setor. O caso de repercussão mais recente foi o do site Concurseiros Unidos. No fim de 2017, três pessoas da mesma família foram presas, em Curitiba (PR), suspeitas de lucrar R$ 7 milhões com venda ilegal de materiais de concurso público desde que iniciaram as atividades, há mais de 3 anos. O grupo foi acusado de infringir direitos autorais, além de responder também por lavagem de dinheiro, associação criminosa e violação de consumo. Um quarto integrante estaria foragido.
Marco Antônio Araújo Junior, presidente da Anpac e diretor na Damásio Educacional, revelou à coluna Vaga Garantida que grupos organizados estão envolvidos em outros crimes. “Em geral, são quadrilhas nas quais a venda ilegal é só mais uma atividade. Estão ligadas a tráfico de drogas e contrabando”, informou.Segundo ele, não há como medir o impacto negativo nas contas dos cursos, que não são as únicas empresas afetadas pela pirataria de material didático: ela também prejudica “as editoras e os professores, titulares dos direitos de imagem e voz”. Para inibi-la, além de colaborar com as investigações, a Anpac age em outras duas frentes: a conscientização dos concurseiros e o investimento em tecnologias que impeçam o compartilhamento do acesso. Nos últimos dois anos, as empresas associadas investiram cerca de R$ 5 milhões para dificultar essa prática ilegal no mercado de preparação para concursos.
No final de maio, a Anpac se tornou parte do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP), órgão colegiado e deliberativo do Ministério da Justiça. Com essa associação, pretende-se reunir dados e criar ações coordenadas nacionalmente com as entidades de proteção ao consumidor (os Procons), Polícia Civil, Polícia Federal e os tribunais de Justiça. Os casos registrados têm aumentado e algumas pessoas já foram condenadas, inclusive pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
Desclassificação
Ao comprar materiais de estudo por meio de rateios, os candidatos correm riscos, inclusive o de serem eliminados de concursos, especialmente nas seleções em que haja a etapa de investigação de vida pregressa. Nessa fase, são apurados registros de ocorrências policiais e processos judiciais nos quais o concorrente figura como acusado ou réu.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tem jurisprudência para deixar as avaliações sobre os precedentes do futuro servidor ainda mais rígidas, mesmo que não haja registros de processos civis ou criminais. Em um caso de 2007, um candidato ao cargo de policial militar foi eliminado por terem sido encontrados indícios de comportamento considerado inadequado à função pretendida. O mesmo pode ocorrer com acusados de comprar materiais de estudo por meios ilegais.
Em fóruns e redes sociais, os concurseiros que adotam a prática alegam ser uma maneira de ter acesso a materiais de estudo de alto valor, os quais, de outra forma, não teriam como adquirir. Também acusam os cursos preparatórios de exagerar nos preços cobrados.
A facilidade e ampla divulgação do rateio é tamanha que muitos concurseiros a acham normal e corriqueira. Quem desconhece a ilegalidade, não raro, quando encontra problemas, procura as empresas para registrar reclamação – em situações assim, é mais fácil seguir o rastro da pirataria. Afinal, se a venda é ilegal, a compra – e até a distribuição gratuita – também é.
O que diz a lei
Conforme o Código Penal, a venda é uma violação de direito autoral, crime cuja punição prevista é de detenção de 3 meses a 1 ano ou multa, além da possibilidade de o responsável responder a processo civil, pois deverá indenizar os autores por danos materiais.
Já a participação em rateio se enquadra como crime que pode resultar em reclusão de 1 a 4 anos e multa.
Mesmo se a compra não for descoberta, há outros impactos, como o prejuízo pela não entrega do material. O Concurseiros Unidos e outros grupos têm diversas denúncias sobre isso no site Reclame Aqui. Há registros de conteúdos desatualizados e incompletos, o que pode ser determinante na hora da prova, sem contar a atitude antiética e corrupta adotada por quem almeja ser um futuro servidor público.