Concurseiro: o foco não é a prova, é ser servidor público
Enquanto a atenção estiver direcionada ao processo de avaliação, e não à carreira, faltarão bons funcionários do Estado
atualizado
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A cada notícia de lançamento de edital, um alvoroço começa no mundo dos concursos. Uma corrida enlouquecida por matrículas em cursos, compra (ou rateio) de materiais e mais candidatos surgem e desaparecem assim que veem a concorrência. As redes sociais comprovam a teoria de que mais importante do que se tornar servidor público é se tornar concurseiro.
Acompanho esse movimento cíclico repetidamente há mais de uma década e chego à conclusão de que o foco está no lugar errado. Para a maioria das pessoas com quem converso sobre o assunto – concurseiro ou não – e que está ou pretende se preparar para ser servidor público, só consegue visualizar o projeto de preparação até o dia da prova. É assustador perceber que nem a posse, muito menos a rotina do cargo, fazem parte da visão do momento atual.
O fato é que o concurso público é um rito de passagem para a construção de uma carreira, a pública. Sequer posso culpá-los. São muitos e muitos anos sendo bombardeados com informações distorcidas de que basta passar na prova que a vida estará resolvida: nunca mais serão demitidos e ganharão bem para trabalhar pouco. Ilusões e promessas vendem mais e são mais confortáveis para comprar também.
Não há inocentes nessa relação e apresentar qualquer argumento contrário é nadar contra a maré e, ainda, ter a sanidade questionada. Infelizmente, o mercado dos concursos públicos é carente de estatísticas e dados confiáveis, porém, há uma unanimidade: estima-se que só 10% dos inscritos em uma prova estão realmente preparados para serem competitivos. O que não quer dizer que sejam todos interessados em ser bons agentes públicos.
A conta é plausível. Cerca de 15% a 20% de quem paga pela adesão sequer aparece para fazer as provas. Outra grande parcela – provavelmente a maior – comparece para “ver no que vai dar” sem ter se preparado. Há ainda aqueles que estão no caminho, mas não atingiram o nível necessário de aprendizado para tirar a nota para a aprovação.
Em tempos de crise de confiança na economia e na política do país, do aumento do desemprego e da baixa oferta de colocações no mercado privado, querer um trabalho que garanta segurança é natural, ainda mais se estiver somado a uma remuneração atrativa.
Esses sempre foram argumentos muito fortes para passar horas estudando, abrindo mão de vida social e do lazer. O que precisa ser dito é que estabilidade e remuneração não devem ser os únicos motivos para assumir a responsabilidade de ocupar um cargo público.
Opinião pública
Ao escolher uma carreira pela quantidade de vagas oferecidas ou pelo impulso de um edital com inscrições abertas, pode-se estar atrás de um projeto profissional com grandes tendências de fracasso. A classe dos servidores públicos recebe críticas da opinião pública por ainda ser composta por aqueles que estão mais preocupados com o interesse pessoal e menos em servir ao público.
Essa percepção de imagem manchada é clara quando se fala em corte de gastos em tempos de recessão – a folha de pagamento é um dos maiores custos dos governos –, mas também é um excelente argumento eleitoreiro para os políticos que promovem concursos oportunistas e negociam cargos comissionados.
O Estado precisa de servidores competentes e interessados. Os profissionais precisam de estrutura e reconhecimento pelo trabalho que exercem. Essa equação só fechará quando houver mudança de lado a lado, é bem óbvio, mas a proposta aqui é tentar explicitar que, enquanto a opção do concurseiro for interesseira, seu esforço será um desperdício de tempo, dinheiro e energia. Nem o governo quer mais os aventureiros, os colecionadores de aprovação.
Ainda parece um movimento tímido, porém, crescente. As bancas organizadoras são orientadas a mudar a forma de cobrar e os conteúdos para evitar os concurseiros profissionais, por exemplo.
Não há milagre
A maior ilusão, sem dúvida, é acreditar que há um pote de ouro no fim do arco-íris. Não há. Tampouco existe atalho para o processo de preparação. Nenhum curso, material, mentor, coach ou qualquer ajuda especializada aprova ninguém. A realidade nua e crua é o esforço de aprender os conteúdos necessários e fazer a prova para depois – e por muito mais tempo que o estudo – seguir uma carreira.
Também não há que se falar de sacrifício antecipado. Uma quantidade muito significativa de aspirantes ao setor público ainda se coloca em um estado emocional de vítima da escolha que faz e se distancia do objetivo lamentando e reclamando para, com sorte, ser agraciada pela solução de seus problemas profissionais. É hora de se responsabilizar, individualmente, desde a preparação até o exercício verdadeiro do cargo escolhido.