Tereza Rachel: uma atriz que teve o teatro tatuado à pele
Lembrada por poucas aparições em novelas, atriz é uma das grandes intérpretes do século 2º que modernizaram as artes cênicas nacionais
atualizado
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Escrevo esta coluna para aqueles que se maravilharam com Tereza Rachel em meia dúzia de telenovelas e alguns bons filmes. Não vou listá-los porque as redes sociais já fizeram muito benfeito o trabalho de espalhar a memória. Reúno aqui, em algumas centenas de palavras, o que não ficou cristalizado. O que se escoou quando as cortinas se fecharam e a atriz se recolheu para a coxia, exausta e de alma lavada por interpretações pulsantes. Registro sobre o maior ofício, o sacerdócio, o que fez dela uma figura singular: o teatro.
Popular por ter feito pouquíssimas, mas contundentes novelas, a intérprete teve no palco o território que lhe consagrou e a transformou numa das mais ousadas produtoras de um tempo.Trajetória gloriosa
Tereza Rachel é uma daquelas atrizes míticas que se confundem com a modernização do teatro brasileiro. A sua presença no palco é como uma contação de histórias. Por meio do seu repertório de espetáculos, pelos dramaturgos que encenou, os diretores que lhe guiaram e as personagens que compôs, é possível entender a sua magnitude nas artes cênicas nacionais.
Coube a Tereza Rachel apresentar ao Brasil amordaçado pela censura no começo dos anos 1970, uma série de dramaturgos nunca vistos, como os poloneses Stanislaw Witkiewicz (“A Mãe”, em 1971) e Slawomir Mrozek (“Tango”), e de diretores, a exemplo dos franceses Claude Régy e Jorge Lavelli. Ela os trouxe de Paris para o Rio, transformando assim o palco do Teatro Tereza Rachel no campo de novidades.
Rota alterada
Inquieta, Tereza Rachel trazia essa diversidade em carreira iniciada, no teatro amador, em 1951, quando fez o papel da questionadora Antígona em “Édipo”, dirigido por Renato Vianna e com figurinos e cenário de Santa Rosa (o cenógrafo de “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues). Parecia seguir a trilha das atrizes dedicadas à dramaturgia de repertório, como Dulcina de Moraes, Cacilda Becker, Tônia Carrero e Maria Della Costa.
Começou profissionalmente pelas mãos rígidas de madame Henriette Morineau para seguir carreira moldada pelos grandes diretores estrangeiros, como Adolfo Celi e Alberto D’Aversa, entrando para o cobiçado Teatro Brasileiro de Comédia, companhia de estética europeia, que desenvolvia montagens de acabamento e qualidade irretocáveis para o padrão brasileiro da época.
Tipos brasileiros
Mas eis que logo Tereza Rachel se enveredaria pela novíssima dramaturgia brasileira, emendando dois Nelson Rodrigues: “Boca de Ouro” (em 1961), e, na sequência, o ousado “Bonitinha, mas Ordinária”, com direção de Martim Gonçalves. Experimentou Dias Gomes (em “Berço do Herói”), com direção de Antônio Abujamra, e viu a dor de ter a peça interditada pela censura no dia do ensaio geral. O que a deixou indignada.
Havia ali uma chama de atriz que se colocava a toda prova de experiências. O que resultou na participação na histórica “Liberdade, Liberdade”, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes, numa produção do Grupo Opinião
O Balcão
Nada, no entanto, é mais contundente que a participação de Tereza Rachel na histórica montagem “O Balcão”, do Teatro Ruth Escobar. A obra de Jean Genet, com direção de Victor Garcia, em 1969, parou São Paulo, ao transformar completamente um edifício teatral num espaço cênico feito em aço com 25 metros de altura.
A peça é um dos grandes feitos do teatro brasileiro e teve diversos episódios marcantes, como a vinda do Jean Genet ao Brasil para assistir à montagem, numa tumultuada visita que rendeu agressão do dramaturgo a um fotógrafo, além da prisão por motivos políticos da atriz Nilda Maria, que foi sequestrada enquanto ia ao teatro, ficando seis meses presa para averiguações.
Essas experiências marcantes deram a Tereza Rachel a maturidade para fazer o que bem queria em cena, conquistando ao longo de sua carreira os principais prêmios do teatro brasileiro.
Tereza é um fenômeno – sempre a melhor nos espetáculos que participa. Passa com limpeza e perfeição os sinais imprescindíveis à compreensão. Prática, econômica. Pesquisa estereótipo para controlar a linguagem, permitindo uma troca precisa entre público e ator. É didática. Usa emoção e inteligência para movimentar um referencial comum a muitos. Dosa informação e redundância com arte meio doméstica, mas de cozinheira exímia
Maria Teresa Amaral, crítica