Teatro do DF circula pelo país e mostra uma Brasília reinventada
A circulação teatral permite aos grupos trocar experiências com outras plateias, gerar renda e formar uma outra perspectiva sobre a capital federal deformada pela política
atualizado
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Enquanto Brasília é sufocada por sucessivos escândalos políticos, o teatro candango pega a estrada numa dura e firme missão de mostrar aos brasileiros que a capital federal não se reduz aos políticos de má índole, aqueles que convertem a esperança de luta diária do brasileiro em falcatruas para encher suas contas bancárias de dinheiro desviado pelo câncer da humanidade chamado corrupção.
Somos uma cidade achatada pela política, que respira mais livremente por meio da arte (a música, sobretudo), da cultura popular, da mistura de povos e de seu patrimônio arquitetônico. Seguir com um espetáculo de teatro em teatro é quase como anunciar que somos outros, plurais. Não vivemos de propinas. Somos brasileiros honestos, trabalhadores da cultura, jamais vagabundos de terno, gravata, com malas e meias cheias de dinheiro sujo.
Uma viagem teatral é propagação da arte e da linguagem da cidade de origem. Gera empregos diretos para os artistas daqui e renda para os visitados. Promove ainda intercâmbio dos artistas brasilienses com público e criadores das praças alheias. A viagem transforma, voltamos artisticamente mais fortes e orgulhosos para casa ao saber que plateias estrangeiras nos acolheram com aplausos, respeito e reflexão crítica
Campina Grande
Acabo de chegar desse jeito de Campina Grande, na Paraíba, cidade que abriga o proclamado Maior São João do Mundo. Por 33 dias, a terra de Marinês e Jackson do Pandeiro celebra o baião de Luiz Gonzaga e todas as suas variações musicais. Lá, estreamos o musical “O Fole Roncou – Uma História do Forró”, adaptação livre do livro homônimo escrito pelos jornalistas Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, editor de Entretenimento e Gastronomia do Metrópoles.
Com concepção artística e produção de Edilane Oliveira, mineira de nascença e paraibana de coração que criou a festa “O Maior São João do Cerrado”, a terceira do gênero no país, a montagem, sob minha direção cênica, aterrissou no palco sagrado do Teatro Municipal Severino Cabral para integrar a cobiçada programação da festa. O musical inédito foi gestado por dois meses em salas da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, com 13 intérpretes (oito atores e cinco bailarinos), todos recrutados no Distrito Federal, por meio de audições, trabalhando 18 horas semanais.
O desafio de chegar a Campina Grande era enorme porque o musical se pressupõe a fala da origem do forró numa terra onde o ritmo está impregnado na cultura local. Diante de uma plateia exigente, o espetáculo estreou, em 16 de junho, com músicas gravadas pelo Quinteto Violado (na direção musical, Dudu Alves) e coreografias de Leila Nascimento (do Passo do Frevo e da quadrilha Raio de Sol, uma das maiores de Pernambuco) e ficha técnica que incluía ainda jovens criadores do DF, como Vinicius Ferreira (desenho de luz), Matheus Avlis (preparador vocal) e Gilson Cesar (diretor assistente).
Canção a canção, a plateia campinense se emocionou, riu, chorou, aplaudiu em cena aberta uma obra concebida no coração do cerrado. Ao fim, da montagem, alguns curiosos queriam saber mais sobre o teatro de Brasília. Muitos nunca tinham ficado diante de uma peça produzida na capital federal. “Não sabia que Brasília tinha teatro”. A frase era ouvida aqui e acolá, na confraternização dos bastidores.
Esse movimento silencioso de sair pelas praças do país não é fácil. É preciso de incentivo de circulação do governo federal e do GDF para que possamos mostrar a qualidade com que concebemos nossos projetos, permitindo que os artistas da cidade coloquem em trânsito sua arte. Para integrar esse movimento, participamos de rigorosos editais públicos e de prestação de contas que exigem provar a compra de um prego.
Pela estrada
De Campina Grande, sigo agora, com meu coletivo Criaturas Alaranjadas, imediatamente para Rio Branco a fim de dar continuidade ao Programa Petrobras de Cultura, com Eros Impuro, montagem nascida em 2011 no Teatro Goldoni e em circulação por 17 cidades, com 130 apresentações e 15 mil espectadores. Ao fim de cada sessão, nós fazemos questão de anunciar, de boca cheia, que somos artistas de Brasília. A acolhida é sempre uma mescla de afeto e surpresa.
Cumprimos assim um trabalho de formiguinha que se soma a de outros grupos e artistas da cidade como Irmãos Guimarães, Hugo Rodas, Grupo Cena, Teatro dos Ventos, Cia. Plágio, Teatro do Concreto, Cia. Brasiliense de Teatro, Grupo Voar de Bonecos, Grupo Bagagem, Cia. Andaime de Teatro, Cia. Sutil Ato, Grupo Desvio, Os Melhores do Mundo, Grupo G7, Setebelos, Mambembrincantes, O Hieronfante, Irmãos Saúde, Nós no Bambu, Grupo Embaraça, Udigrudi, Esquadrão da Vida, Alexandre Ribondi, Míriam Virna, José Regino e tantos outros.
Após as sessões, em comum, saímos com uma certeza: em cada cidade, uma outra Brasília se refaz no coração do espectador