metropoles.com

Sylvia Orthof enfrentou os generais para fazer teatro em Brasília

A série “Teatro 061” é dedicada à atriz, diretora, dramaturga, professora e escritora que revelou nomes como Ney Matogrosso

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Kácio Pacheco/Metrópoles
Sylvia-Orthof
1 de 1 Sylvia-Orthof - Foto: Kácio Pacheco/Metrópoles

Escritora consagrada na literatura infantil brasileira, Sylvia Orthof (1932 -1997) é artífice da primeira fase do teatro brasiliense. No âmbito fervilhante da Universidade de Brasília (UnB), ela arregimentou pessoas para pensarem e fazerem teatro numa cidade que se esboçava como capital do poder.

Sylvia tinha vindo a Brasília para dar aulas e integrar a equipe que implantaria os cursos de teatro e dança, planos interrompidos pela ditadura militar. Estava ligada ao Instituto Central de Artes (ICA) e logo formou o TUB (Teatro Universitário Brasiliense).

Sylvia na peça “Ilha das Cabras”

Entre os grupos formados por Sylvia, estava o TEMA (Teatro de Máscaras do CIEM). Vinda com a experiência do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), Sylvia circulava como uma rainha numa terra ainda sem referências teatrais e com as primeiras iniciações ligadas à cultura popular e a um teatro mais genuíno. Estavam em torno dessa “usina de ideias” Murilo Eckhardt e Golda Pietricovsky. Juntos, fariam os primeiros experimentos de teledramaturgia na tevê brasiliense, O Teatro Candaguinho.

Sylvia impressionou o Rio de Janeiro com “Cristo Versus Bomba”, espetáculo de sua autoria, que venceu o Festival do Teatro de Estudantes, de Paschoal Carlos Magno, e levou a plateia a gritar “bravo, bravo”. Estavam em cena Ney e Ana Miranda, hoje grande escritora e cronista.

Com Sylvia, o teatro brasiliense nascia sintonizado com a modernidade. Havia a preocupação com a pesquisa em sala de ensaio e com o estudo da gestualidade

Os cenários não eram ilustrativos. Em “Morte e Vida Severina”, por exemplo, havia dois planos formados por cubos, trilha executada ao vivo e um impacto teatral sob a plateia.

Rapidamente, Sylvia rompeu com as fronteiras do campus ao trabalhar com operários no Teatro Oficina do Sesi, em Taguatinga, que reuniu um grupo de 32 jovens integrantes. Criou a histórica montagem “Morte e Vida Severina”, do universo de João Cabral de Melo Neto.

Viajou para Ouro Preto e impressionou os jurados ganhando o festival. Estava em cena um promissor artista: Ney Pereira (tempos depois, o vocalista do Secos & Molhados e um dos maiores intérpretes brasileiros, conhecido internacionalmente como Ney Matogrosso). Na peça, ele passava ao fundo do cenário, lançando a voz pelo espaço cênico e arrepiando a plateia.

Ironicamente, essa montagem vai determinar a maior perseguição sofrida por Sylvia Orthof na ditadura. Numa das sessões realizadas em Taguatinga, a repressão cercou o teatro como forma de coação à diretora e ao grupo. Os artistas resolveram abrir os portões e a peça foi apresentada para uma plateia contagiante.

A peça falava da miséria do Brasil, talvez não fosse o espetáculo que eles julgavam que se deveria mostrar para o povo sofredor, como o de Taguatinga. Eu sei que a peça sobrevive a tudo isso porque é uma obra para ficar

Sylvia Orthof

Dias depois, ao voltar à sala de ensaio, Sylvia e o grupo tomaram um susto: todo o palco estava tomado por máquinas de costuras. A partir daquele momento, funcionaria ali uma oficina de corte e costura. Não havia mais lugar para Sylvia em Brasília e ele teve que partir para o exílio, em Paris.

A ditadura militar interrompeu bruscamente o movimento de Sylvia Orthof, que, neste momento, já não era apenas uma mulher em busca de sonhos. Sylvia Orthof era o próprio teatro brasiliense nos seus primeiros momentos de vida, pulsante

 

Sylvia: uma mulher, um teatro

Um teatro que nascia político e preocupado com as teatralidades do corpo e do espaço – características percebidas claramente no teatro brasiliense do aqui e agora. Um teatro que nasceu pelas mãos das mulheres.

 

Na próxima crônica do Teatro 061, vamos falar de Golda Pietricovsky e Laís Aderne, duas pioneiras desse sonho de fazer teatro num terra de concreto.

 

 

FONTES:
Acervo do Correio Braziliense
“(A)bordar Memórias, Tecer Histórias: Fazeres Teatrais em Brasília 1970-1990”, dissertação de mestrado de Elizângela Carrijo
“A Paixão de Honestino”, de Betty Almeida
“Histórias do Teatro Brasiliense”, de Fernando Pinheiro Villar e Eliezer Faleiros de Carvalho
“Panorama do Teatro Brasiliense em 1968”, artigo de Carlos Mateus de Costa Castello Branco, publicado na revista Intercâmbio
“A Cidade Teatralizada”, de Celso Araújo
“Educação Pela Arte: o Caso Brasília”, de Maria Duarte de Souza
“Canteiro de Obras”, Notas Sobre o Teatro de Brasília, de Glauber Coradesqui

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?