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Simone Reis tira UnB da zona de conforto com teatro inquieto

Atriz, diretora e performer acaba de lançar livro que registra processo em que mistura Shakespeare com orixás do candomblé

atualizado

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Um dos espetácsimone hamuletoulos mais instigantes que assisti em Brasília foi “Hamuleto” (2002). Tinha pouco tempo na cidade, parcas referências sobre a cena teatral brasiliense e não conhecia o trabalho da atriz e diretora Simone Reis, hoje professora de Artes Cênicas do Instituto de Artes da Universidade de Brasília.

Antropofágica, Simone Reis misturava referências dos orixás do candomblé, do teatro oriental (o butô) da performance com a obra-prima “Hamlet”, de William Shakespeare. Lembro-me de sair extasiado do CCBB. De alguma forma, durante esses 14 anos tentei segurar na memória a força dessa montagem sensorial, dirigida por Leo Sykes (Udigrudi).

“Hamuleto” foi um incrível desafio. Adoro o trabalho da diretora Leo Sykes. Somos amigas desde 1997 e continuamos a amizade depois do trabalho (risos). Ela é muito talentosa e me ensinou um pouco da tradição europeia do teatro antropológico. Foi duro tentar seguir à risca as partituras corporais propostas porque sou do improviso, do teatro performativo e dionisíaca em cena

Simone Reis
Quase uma década e meia depois, todo o processo desse espetáculo acaba de ser registrado em livro. Simone Reis lança “Hamuleto: Um Olhar Multiplicante sobre o Imaginário Afro-brasileiro”. Além de detalhar todos os passos de criação, a obra expõe o talento de uma atriz, diretora e professora que segue se reinventando a cada trabalho.

Como atriz existe uma magia. Sou autoral, intensa, estranha e autobiográfica. Eu sou antropofágica, gosto do rito, da irracionalidade, da autoironia, com muita sonoridade, fisicalidade e humor. Ritualizo minha poética

Simone Reis
Mila Petrillo/Divulgação
Simone Reis em “O Espelho”, de 2012
Simone Reis tem um olhar afiado para a cena. Não gosta dos caminhos fáceis e é apaixonada pela criação sem limites que surge em sala de ensaio. Ali, desfia sem pudores tudo que observa. Convidei-a a provocar o processo de criação de “Duas Gotas de Lágrimas no Frasco de Perfume”. Como uma provocadora cênica, ela nos colocou de volta ao caos da criação, puxou o tapete das verdades, apontou o risco do caminho construído, desestruturou cenas e devolveu a todos o frescor do caos criativo. Juntos, depois, gargalhamos de felicidade.

Compartilho sem julgamentos todas as impressões e fluxos de ideias, observações sobre gestos, intenções e palavras no trabalho dos atores. Sou sincera demais para uma brasileira (risos). A família do meu pai veio do norte da Itália, onde neva. Uma mistura de italiano com goiano, pelo menos

Simone Reis
Bruna Martini premiada em Festival Universitário do Rio
É preciso querer participar desse jogo intenso que Simone Reis proporciona. Admirar seu senso crítico, despir-se e seguir seu faro. Ela instiga e provoca o intérprete. Como diretora, não dá fórmulas, não quer cristalizar corpos. Não interessa para ela o posicionamento da sobrancelha esquerda da atriz. O que instiga é por que atriz propõe aquele movimento. Ela dá comandos, afagos e subverte. O último trabalho que saiu do campus da UnB foi “Stanisloves-me”, com Bruna Martini, que acabou de ganhar o prêmio de melhor atriz do Festival de Teatro Universitário (FESTU)

Simone me ensinou a quebrar as vitrines, a ser irreverente com o status quo, de curar minhas dores com humor e inteligência

Bruna Martini
Mila Petrillo/Divulgação
Simone Reis com uma inquietante Medeia

Bruna Martini foi o encontro surpreendente. No momento da entrega do prêmio, ela disse que fui “uma mãe”, como professora e diretora. Uma mãe é alguém que dá o máximo de si para o outro. Ela tem 21 anos e sinto que tentou expressar a indignação à desvalorização do trabalho dos “santos de casa”, escondidos nas escolas de teatro e nos palcos fora do eixo Rio/São Paulo. Os que não fazem milagres em suas cidades locais.  Talvez, o melhor de mim seja a minha capacidade de entrega

Simone Reis
A chama incessante de criação de Simone Reis sempre ultrapassou a sala de aula. Fez uma inquietante instalação “O Espelho”, em parceria com Iain Mott, no CCBB, misturando performance e tecnologia. Toda vez, que se encaminha para a UnB pensa como fazer para não perder essa pulsão. Criou a Cia. Teatro Pândego, na qual tritura influências colhidas aqui e acolá e regurgitadas.
Mila Petrillo/Divulgação
Depois desta performance, Simone Reis ganhou o apelido de A Coelha

Eu entro num transe feliz e raro quando encontro atores talentosos e disponíveis. Muitas vezes, porém, alguns alunos resistem e não conseguem ver o que tenho a oferecer. Isso é desanimador. Mas eu não perco a graça, mesmo que eu fique só com um aluno em sala ou chova de verdade lá dentro (risos). Não temos um teatro em funcionamento no Departamento de Artes Cênicas da UnB. Lutamos contra o menosprezo à arte, ao artista, ao professor. Gosto de atletas do coração emitindo sinais de dentro da fogueira, como diria Antonin Artaud

Simone Reis
Os que a seguem com Simone Reis fazem barulho. Caroline Maria, que chegou à semifinal do Prêmio Multishow de Humor, dedicou suas performances à artista talentosa e sem rótulos.

Simone me ensinou a pertencer a um lugar, como criadora e como intérprete. Carrego aonde vou o que ela me apresentou. Surpreendente. Provocativa. Hilária.  Como búzios mágicos, apontam um destino. Ela ama a realidade. Ela ama a ficção. Para mim, ela é a maior

Caroline Maria

Procuro um alto potencial criativo e o prazer da imprevisibilidade nos atores e isso pode gerar desconfiança e ao mesmo tempo encontros fascinantes.  Sem encontros surpresa nesse espaço teatral, não tem graça nenhuma. Sou alquimista de um teatro menor, intimista. Busco o ouro de cada ator, possibilidades criativas transformadoras e múltiplos processos de trocas. Tenho uma pedagogia, um método híbrido de treinamento. Isso é antropofagia

Simone Reis

As crias de A Coelha

Mila Petrillo/Divulgação

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Conheci Simone, minha professora, recém-chegada da exótica Oceania. Talvez, por isso, era comum que a achassem estranha. Eu não achava! Perto dela me sentia como se estivesse onde devia estar: perto do coração selvagem da vida, naquele lugar em que o tédio não chega. Assim, Simone me recebeu na Universidade de Brasília, eu preto, cotista das primeiras turmas com cotistas, num lugar em que ninguém parecia ter sido avisado da minha chegada. Simone me ajudou a enfrentar o constrangimento de estar fora do meu lugar, no seu teatro havia lugar para mim, no mundo dela havia um lugar para o meu lugar
Rogério Luiz, ex-aluno, ator

Simone Reis foi o primeiro sinal de que na arte e na vida o belo está no inexplicável, no oculto, no esquecido, no desconhecido e na apoteose pândega da leveza! O privilégio de ter encontrado esse “torto” celeste nos meus passados presentes e presentes futuristas é uma presente fonte inesgotável de gratidão e inspiração.
Paulo Victor Gandra (PV) dançarino, ator, ex-aluno

O primeiro contato que eu tive com o trabalho de Simone Reis foi assistindo ao espetáculo “Chuva de Sangue”. Na época, não sabia quem era Simone, mas tive uma certeza: quero aprender com ela. Dois anos mais tarde, tive o privilégio de ter aula com Simone e entendi por que o processo de trabalho modifica tanto o ponto de vista dos alunos. Simone desenvolve uma direção criativa que rege uma sinfonia de atores no palco. Todos ganham uma função extraordinária na peça. E ela dirige um por um e depois junta tudo para o espetáculo.
Julia Horta ex-aluna e atriz

Simone tem uma capacidade desestabilizadora tremenda. Sei lá qual é a mágica, mas consegue tornar qualquer ambiente fecundo à inovação e criação. Desejo a toda pessoa que passa por um curso de teatro que conheça Simone. Precisamos falar de Simone.
Luísa Duprat atriz, pesquisadora e ex-aluna

Um ciclone abriu a portinha da pedagogia do caos, pegou na minha mão e tomamos chá a tarde inteira. Transformar o tabu em totem, ela diz. Beber do veneno, ela diz. Rir de si, gargalhar com Si
Luara Learth, ex-aluna, atriz e dançarina

Entrei na UnB em 1995, mas foi só um ano depois, ao ter aula de interpretação com a Simone Reis, que comecei a descobrir, por meio dela, o tipo de teatro onde eu era potente. Hoje, me sinto um irmão na arte dessa minha grande mestra e amiga. Dentro de tantas amarras impostas na Universidade e fora dela, Simone foi a libertadora de muitos, inclusive eu. Era a guia que nos obrigava a experimentar o caos, o inesperado, o patético, o risível, o cafona, o mágico, e extrair de lugares tão inóspitos a nossa expressão única. Ela me ensinou a falar.
Camilo Pellegrini, autor de telenovelas, diretor e ator

Quando conheci a Simone Reis, em 1996, eu era estudante do Ida e estava quase desistindo do Teatro. Achava tudo muito chato e diferente do que eu imaginava. Com ela, aprendi sobre a impermanência, o absurdo, o monstruoso, o desapego e o humor sutil.
Simone Marcelo, atriz, diretora e professora

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