Silvio Santos ri das minorias, com vontade
Os últimos tempos têm deixado o “dono do baú da felicidade” um tanto sem graça diante de uma das fases mais tristes da carreira.
atualizado
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Mito da comunicação brasileira, Silvio Santos traz em si uma espécie de salvo-conduto. É capaz de fazer as piores bizarrices em cena que as colegas de trabalho e os milhões de telespectadores o perdoam na primeira sonora gargalhada.
Os últimos tempos, no entanto, têm deixado o “dono do baú da felicidade” um tanto sem graça diante de uma das fases mais tristes da carreira: a do homem preconceituoso, que ri, com vontade, das minorias.
Sem o brilho de antigamente, o apresentador conduz um programa caquético, sem grandes novidades. Afora as pegadinhas, algumas incríveis, Silvio Santos se agarra no “Jogo dos Pontinhos”, um quadro completamente sem graça, para enfrentar a concorrência.
Show de bizarrices
Na atração, seis jurados (ou “humoristas” como o apresentador costuma designar) respondem a uma dúzia de lugares-comuns. Na edição de domingo (08/05), algumas perguntas aparentemente polêmicas, sobre homossexualidade, religião e direitos humanos, transformaram o quadro num show de horrores.
Diante de respostas contaminadas por um moralismo conveniente à primeira metade do século XX, quem buscava se entreter com um dos mitos da tevê brasileira ficou diante de um festival de insultos e apologias à violência, como a de um jurado, o desconhecido Carlinhos Aguiar, que apregoou, entre posições machistas, o “sexo corretivo” — com ele, lógico — para resolver o afeto de mulheres com mulheres.
Não bastasse esse monte de viado, agora tem um monte de mulher colando velcro. Se elas me conhecessem, deixariam disso
O comentário faz apologia ao estupro corretivo, uma das maiores e mais recorrentes violências contra lésbicas no mundo.
Herdeira e obreira
As aberrações seguiram ganhando ponto alto na fala da filha, Patrícia Abravanel, herdeira do SBT, que pregou, como uma obreira de igreja, que deve se ensinar aos jovens que “homem é homem” e “mulher é mulher”, pondo pelo ralo toda a discussão científica sobre identidade de gênero.
Eu não sou contra o homossexualismo, sou contra falar que é normal
https://www.youtube.com/watch?v=lP8QJHw6nsc
As redes sociais reagiram e levaram negativamente Patrícia Abravanel ao Top Trends no Twitter, provocando reações diversas de internautas, dentre eles, a atriz Luana Piovani.
Quem é Patrícia Abravanel para dizer que o amor entre duas pessoas é normal ou não? Essa moça deu show de homofobia. Ridícula. Sinto muito pelo público LGBT que teve que ouvir uma declaração tão infeliz, retrógrada e medíocre. Vocês são lindos e normais, continuem no caminho
Luana Piovani
Sem informações ou base de conhecimento para um debate respeitável, o tribunal midiático, montado por Silvio Santos, condenou ainda os ateus e até os direitos adquiridos por presidiários no Brasil, como a visita íntima e a saída provisória em dias especiais.
Tempo de riscos
Num tempo de risco, em que o privado está se sobrepondo ao bem público no Brasil, nossa crise de corrupção brota dessa raiz, é sintomática essa banalização dos direitos do cidadão na tevê, num desrespeito às minorias num dos programas mais emblemáticos da família brasileira.
Parece que seguimos para um retrocesso que pode ser singularizado na figura intocável de Silvio Santos, um homem de história espetacular que de camelô se transformou em dono de um império de comunicação.
Calcado nessa biografia, o ícone impõe suas idiossincrasias para o estado de direito alcançado no Brasil nos últimos anos. Esquece-se que o SBT é uma concessão pública e que, como cidadãos, devemos questionar a qualidade ou simplesmente mudar de canal.
