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Senta lá, Cláudio. A obra de Chico Buarque não pode ser estuprada

A violação da obra de Chico Buarque pelo ator, diretor e produtor Claudio Botelho, no último sábado (19/3), em Belo Horizonte, aconteceu durante a sessão de “Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos”

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Na crise política que verga o Brasil, os artistas ocupam, com legitimidade, as trincheiras: ora como cidadãos ora como criadores. No primeiro papel, convocam a audiência que os orbita para pensar sobre os porquês eles apoiam ou não determinada posição política. Desempenham, nessa esfera, não só o exercício patriótico como também a possibilidade da formação de opinião. Isso numa época em que “dizer o que se pensa” virou a tônica da sociedade em rede.

A segunda função, mais nobre e diferencial, diz respeito a transformação dos pensamentos cotidianos sobre política, por exemplo, em linguagem artística. Tudo aquilo que ouvimos nas ruas, nos aparelhos de rádios e tevês ou lemos nos sites de notícias e nas postagens das redes sociais viram material de criação para a construção de uma matéria sensível, cheia de subjetividades e metáforas capazes de transportar, sem panfletos, o espectador para uma outra forma de olhar para aquela realidade viciada e cheia de clichês.

Só para os gênios
Converter o noticiário político em discurso artístico não é fácil. É típico e genuíno daqueles que têm o dom da criação. É isso, aliás, que diferencia, por exemplo, uma peça de teatro dita comercial de uma obra de arte. Chico Buarque fez constantemente essa labiríntica conversão (pode-se chamá-la de inspiração) em dramaturgia musical com “Roda Viva”, “Gota D´Água” e “Ópera do Malandro”, três cânones do teatro político musical brasileiro. Três obras de arte.

Artista de primeira grandeza da música, da literatura e do teatro, Chico Buarque tem vivido, com intensidade, esses dois papéis que lhe cabem. Gostem ou não de seus posicionamentos políticos como cidadão, suas obras falam por si e tocam os espectadores em aspectos sensíveis que um noticiário de jornal ou uma mesa de bar são incapazes de alcançar.

Estupro
Nesse aspecto, a violação da obra de Chico Buarque pelo ator, diretor e produtor Claudio Botelho, durante a sessão de “Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos”, no último sábado (19/3), em Belo Horizonte, ocorre justamente por essa confusão de papéis. Botelho, o ator indignado, boicotou o discurso artístico de Chico Buarque, matriz para a construção coletiva de todos os artistas envolvidos nessa produção. Impôs suas idiossincrasias goela abaixo tanto dos companheiros de cena quanto dos pagantes.

https://www.youtube.com/watch?v=dbew9-incms&app=desktop

Como um estupro, suas referências cotidianas não se instalam sobre a obra de Chico, por si politicamente revolucionária, como também sobre muitos espectadores, que não pensam como uma massa amorfa. Possuem opiniões próprias e, certamente, não pagaram ingresso para saber o que Claudio Botelho acha do momento brasileiro. Quem se interessar por isso que procure as suas redes sociais.

HAMLET – Já vi serem calorosamente elogiados atores que rugiam e se pavoneavam. E eu imaginava terem sido eles criados por algum aprendiz da natureza, e pessimamente criados, tão abominável era a maneira como imitavam a humanidade.

(Shakespeare)

O palco, espaço sagrado de reflexões, é o catalisador do discurso artístico. Sobre o tablado, não cabe a voz única e prepotente de um ator deslumbrado, que como ele próprio revela em um aterrorizante áudio vazado, considera-se um “rei”, acima do público, que, aliás, é menosprezado por se todos nós estivéssemos ainda comungando do teatro burguês do século XVIII, aquele que os intérpretes eram vedetes, semideuses e cuspiam os seus textos decorados nas primeiras filas.

Como bem fizeram os piadistas da hora, “Senta lá, Cláudio” e ouve o que Chico tem a dizer sobre “Roda Viva”.

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