Rapper Renegado tira o véu do racismo. “Se o brasileiro não quer conhecer o Brasil, que siga para a Europa”
Cronista da periferia, artista mineiro expõe a urgência de tratar negros, gays, índios, favelados e mulheres com mais justiça social
atualizado
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A caminho do estúdio da TV Brasil, onde gravaria o programa “Espaço Público”, o rapper mineiro Flávio Renegado toma conhecimento de recentes postagens nas redes sociais. As palavras de ódio de uma suposta jovem conclamam os terroristas do Estado Islâmico a dizimar os negros brasileiros. Ele se choca. Parece inacreditável. No entanto, antes de julgá-la, o cantor põe em dúvida a veracidade das ideias irracionais.
Mano, que louco. Será que não é uma criança zoando? Se não for, alguém tem que denunciar essa parada.
Rapper Renegado
Há quem pense que o coração de Flávio Renegado seja um container que armazena munição pesada, pronta para ser descarregada, por meio de versos firmes, contra a elite branca brasileira. Ao contrário, o jeito de menino que cresceu na comunidade do Alto de Vera Cruz, em Belo Horizonte, está preservado. Prestes a entrar para a sabatina com os jornalistas, o rapper espalha gentilezas. Risonho, pede um café, cumprimenta dos entrevistadores à maquiadora. Quer saber o nome de cada um. Em nada, assemelha-se ao perfil alarmista de homem odioso que a ultradireita pinta nas redes sociais.
Para quem enfrentou a fome e as balas perdidas, encarar o Twitter é mole.
Rapper Renegado
Panelaço na Paulista
A fama de mau de Renegado correu as redes sociais como um rastilho de pólvora depois que ele cantou, no prestigiado “Criança Esperança”, da Rede Globo, os versos de “Mundo Moderno”sob os olhares de Alcione e Arlindo Cruz.
“Basta de tempo ruim e clima fechado, tá brutal. Século XXI, racismo, ultravirus na rede social. Insultos mil: tição, macaco, criolo, complete a lista / Enquanto a Ku Klux Klan bate panela na Paulista.”.
https://www.youtube.com/watch?v=s5yUXudZ_Ws
A música foi inspirada numa observação feita pelo criador. Certa vez, passando pela Avenida Paulista, ele viu manifestantes batendo panelas e vestindo a camiseta com a frase: “Poder branco”.
Mano, se o brasileiro não tá preparado para conhecer o Brasil, que siga pra Europa. Essa história de que não há racismo no Brasil. Olha a cor de quem está na periferia. Olha a cor de quem morre neste país.
Rapper Renegado
Querido do Clube da Esquina
Quando Flávio Renegado se propôs a ser rapper, estabeleceu uma missão: ser porta voz da periferia. Com esse propósito no coração, ele segue firme para denunciar um Brasil que põe valores humanos de pernas para o alto. Não fala só dos negros. Incluí, em seus versos, os índios, as mulheres e os gays. Desde 2008, segue carreira crescente, com shows no exterior e prestígio entre vários segmentos da MPB, como o Clube da Esquina.
Não tenho medo de fazer sucesso, de ser popular, pois acredito que minhas canções levam uma mensagem contra o mundo de ódio que se espalha Brasil afora.
Rapper Renegado
Como um cronista poderoso das rimas, Renegado narra, em suas canções, o que viu e vê no dia a dia da comunidade das periferias, majoritariamente negra. É natural que suas músicas reflitam o ponto de vista de quem conhece a realidade do homem pobre favelado.
O mundo tá cada vez mais louco, a violência, a forma como é banalizada, tá ligado! A maneira como o ser humano está tratando o outro. A convivência em risco. Então, faço um retrato do que é a sociedade hoje.
Rapper Renegado
A dor da consciência
Renegado começou a se reconhecer como negro aos 11 anos em aulas de capoeira. Ali, teve acesso a história do negro no Brasil, que nunca tinha visto em sala de aula. Depois, descobriu o rap dos Racionais MC´s e sentiu o poder à ponta da língua.
A consciência veio junto com a dor. Olhar para as paredes sem reboco ou ver o vizinho passando fome ganharam outro valor para mim. Na hora que comecei a cantar, naturalmente eu me coloquei como um porta-voz da comunidade.
Rapper Renegado
O novo disco, o EP “Retratos de um Conflito Particular”, é um grito de alerta do poeta de todas as favelas. A faixa de abertura, “Só Mais Um Dia” condessa o manifesto:
Pra que tanto rancor, dentro do peito/ Se temos a mesma cor, viemos do mesmo gueto. Fúrias e glórias marcam nossas vidas/ O futuro a quem pertence? Amanhã só mais um dia/ Diz que é da paz, mas o espírito está em guerra
Inspirado nos Sete pecados capitais, o disco é “uma carta de socorro dos humanos para a humanidade”, no qual a força das letras se impõe e entra em harmonia com um melodioso e rico trabalho de Renegado, que flerta com o reggae “Além do Mal”, com participação especial de Alexandre Carlo, vocalista da banda brasiliense Natiruts; e “Rotina”, ao lado do pop de Samuel Rosa. O clímax é a funkeira “Luxo Só”, que promete cair nas pistas para o desespero dos caretas.
Tá chapa quente e é gente comendo gente/ Perde olho e perde dente, eu te pergunto pra quê?/ Tanta gana pra ter grana só no bolso dos bacanas/E só não sobra para gente como eu e você
Sou influenciado pela MPB. Gosto de Cartola. Ouvia no radinho de pilha de minha mãe Regina as canções de Milton Nascimento. Trago a diversidade da música brasileiro pro rap.
Rapper Renegado