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Que país é este? Onde clamar por direitos humanos virou mimimi?

O combate à corrupção e a política de direitos humanos sumiram da pauta dos que apoiaram o impeachment. Corremos o risco de virar mais uma vez o país do faz de conta

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racismo feminismo direitos humanos
1 de 1 racismo feminismo direitos humanos - Foto: iStock

Agora, que “arrancamos” do poder as mazelas da corrupção, é preciso tirar o Brasil do buraco financeiro. Quem avisa é um otimista apresentador de tevê. A economia precisa ser ajustada no ritmo do desenvolvimento, a abertura de postos de trabalho é urgente. Temos que voltar a crescer, aquecer a economia.

Mas, alto lá! E o combate à corrupção?

A frase de ordem anda sumida das comemorações. Até porque parte de quem vai comandar esse novo milagre econômico tem o nome citado na operação Lava-Jato. O combate à corrupção, que motivou tantos brasileiros a tirar a camisa da seleção canarinho do guarda-roupa e encher as ruas, corre o risco de virar um detalhe histórico. Para muitos, transformou-se num constrangimento.

Será que esse Brasil, então embriagado, vai se tornar aquele velho país do faz de conta? Faz de conta que nos transformamos democraticamente e apaziguamos as diferenças sociais com o impeachment da primeira mulher eleita presidente. Muitos dizem “tchau, querida!” e, pouco importa, se o vice é cúmplice do passado e encha os gabinetes dos ministérios de ex-colaboradores da tão odiada era lulopetista,

Sonho verde-amarelo
“Temos que gerar dinheiro”, diz esse mesmo apresentador de tevê, e, para isso, vamos cortar tudo que é supérfluo: investimentos em cultura, em direitos humanos e em políticas para as minorias. Vamos crescer com a força do braço masculino, branco e heterossexual que movimenta esse novo sonho verde-amarelo.

Outros tantos não se importam que o governo provisório não tenha representantes femininas combativas nos ministérios, nem tampouco militantes negros, gays e de outras minorias. Entre seus pares, o discurso da meritocracia é uma oração: “A competência não ter cor, preferências sexuais ou gênero. O que importa é capacidade de gestão”.

É, no mínimo, estranho esse argumento. Vivemos num Brasil onde as mulheres ainda ganham menos do que os homens e enfrentam dificuldades de galgar um posto de extrema importância. Habitamos num país onde o negro, historicamente marginalizado pela escravidão, ainda carrega a pobreza nas costas como ônus histórico. Integramos uma nação onde gays e lésbicas são tratados como cidadãos menores. São mortos por crime de ódio e o clamor pela legislação contra homofobia, para muitos, é frescura de viado.

Não ter negros, mulheres e representantes numa composição de governo do século 21, sobretudo, depois de avanços na política de direitos humanos, significa um retrocesso imensurável. É, no mínimo, uma falta de legitimidade para essas minorias históricas.

Sem pertencimento
Dificilmente, um governo sem essas representações de luta vai entender as necessidades de avanços para essas minorias. Não há pertencimento. Ninguém pode imaginar a dor de ser discriminado pela cor sem ter sido vítima desse crime. Só um negro pode saber o que é ser negro no Brasil e traçar uma política reparatória capaz de inclui-lo.

Nenhum homem consegue estabelecer uma política progressista para mulheres sem entender a natureza feminina, o assédio sexual do dia a dia, a dupla jornada, a dor da gravidez oriunda de um estupro.

Isso me faz lembrar uma cena de infância. Diante da tevê, Jô Soares e um elenco fantástico de humoristas caminhavam em marcha ré enquanto cantava um jingle da ditadura militar. “Este é um país que vai pra frente… ôôôô De uma gente amiga e tão contente… ôôôô”. Perdido na memória, esse fragmento, censurado à época, volta com força à mente. Afinal, estamos num tempo que virou bacana evocar os tempos sombrios da tortura. Clamar por direitos humanos, aliás, virou mimimi. Que país é este?

 

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