Professor transforma faixas de propaganda em arte e decoração junina
O artista plástico Marcelino Cruz produz obras de arte que trazem foco ao descaso urbano com a sustentabilidade
atualizado
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Aparentemente, a festa junina do Centro de Ensino Fundamental 102 Norte será tradicional. Vai ter bandeirolas, enfeites e figurinos de quadrilha. Quem participa dos bastidores, no entanto, sabe que a comemoração tem um quê singular: faixas de propagandas.
Sim, aqueles anúncios horríveis espetados nos canteiros, nas ruas, em cima dos viadutos, invadindo a nossa visão com a sujeira comercial. De cores e letras berrantes, os panos esticados vendem de tudo: de carro velho à quitinete de meio milhão de reais no Noroeste.
A ideia dessa transformação é do professor e artista plástico Marcelino Cruz, que estende o seu objeto de pesquisa para sala de aula. Desde o fim dos anos 1990, sai pelo DF catando materiais de faixas. Aliás, não é ele o “estripador de faixa”, que há tempos corta os anúncios num protesto contra a poluição visual.
Os alunos de Marcelino Cruz são jovens que frequentam do 5º ao 9º ano das séries finais do ensino fundamental.
“Eles não entendem direito ainda essa relação: poluição visual/cultura visual/pop art/consumismo exagerado. Têm uma visão tênue do mundo, da periferia, do hip-hop, do funk, principalmente. Aos poucos, vão caindo na real.”
Marcelino Cruz
Cair na real é perceber, por exemplo, que as relações de sustentabilidade envolvem toda a cadeia humana. O que acontece quando deixamos de comprar os tecidos e os papéis para festa? A resposta complexa vai de questões ecológicas às de consumo.
Aos jovens, o professor explica que não é só reciclar e reutilizar. É preciso ter um visão holística do mundo. Na brincadeira e na curiosidade, ensina que sustentabilidade é como uma pele, que envolve o corpo. Se for bem exercitada, afeta até a autoestima.
Como artista, o trabalho de Marcelino é transformar essas faixas em lona, base para uma série conhecida como “Outdoor”. Ao longo dos anos, o artista viu a qualidade da faixa empobrecer e teve que se reinventar para não comprometer o trabalho.
“Nos anos 1990, elas eram de algodão, de lonita. Nos anos 2000, foram substituídas por tecido de poliéster, um material mais “vagabundo”, de nylon, sintético.”
Marcelino Cruz
Marcelino Cruz alcança um material de base como se fosse seda, pano de fundo para impressão e material de suporte.
“Retiro a tinta de alguns. Sempre me reinventando. Aproveito para fazer objetos, esculturas e colagens.”
Marcelino Cruz
A ideia surgiu ainda na graduação na Universidade de Brasília (UnB), quando descobriu a paleta de cores de Jean-Michel Basquiat e, principalmente, a arte inconsciente de Arthur Bispo do Rosário.
“Pirei com as obras do Bispo. De recolher lixo, as sobras de materiais. E a poluição visual de Brasília. O colorido da publicidade. Das ruas, das paradas de ônibus, dos outdoors. Do design. Da arte gráfica. É muita informação que há nas faixas”, lembra.
Dessas faixas, nascem a colagem, a impressão, a superposição de cores, linhas e formas das letras. A obra de Marcelino Cruz é crítica ao desenvolvimento urbano de Brasília.
“A história, a criação e, depois, a sua destruição tão rápida. As invasões, os puxadinhos. Tudo que faz de ruim a Brasília me choca, me provoca, me comove. Coloco tudo para fora nesses trabalhos.”
Marcelino Cruz