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Primeira boate gay do DF New Aquarius vive no imaginário brasiliense

Casa que ficava no subsolo do Conic foi bafo que reuniu de artistas a diplomatas

atualizado

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1 de 1 dzi croquettes - Foto: Divulgação

A boate New Aquarius acabou faz tanto tempo. No entanto, os vestígios de suas noites frenéticas resistem no imaginário de quem se esbaldou na pista daquela que foi a primeira casa de espetáculos gay da cidade.

Eu nunca a conheci. Quando cheguei na cidade, em julho de 2001, tudo era um novelo de histórias. Volta e meia, quando batia um saudosismo da vida noturna, alguém ressuscitava diante de mim a noitada mais “pintosa” da cidade. De tanto ouvir narrativas, parece que vivi os anos de ouro da casa encravada num tortuoso labirinto do subsolo do Conic.

Ali, alguns costumavam-se chegar cedo, bem antes da meia-noite. Muitos já saíam dos espetáculos do Teatro Dulcina (anos 1980) para um momento “agarradinho”. Namoros e prósperos casamentos surgiram ao som das baladas derramadas de Stevie Wonder e Lionel Richie. Era a galera que queria constituir família. Dividir contas, adotar gatos e viver a dois como se o mundo lá fora reconhecesse a união de amor. Estamos falando dos anos 1980 e 1970, atravessados pela crueza da ditadura militar e repleto de preconceitos na sala de estar.

Quem queria ser livre no “desbunde” flertava na azaração no entorno da boate. Havia por ali restaurantes que serviam sopas em noites frias de julho e uma sinuca onde gloriosas travestis se exibiam na porta. Há quem fale do chamado “corredor da morte”. De um lado e do outro do caminho de acesso à casa, homens em sua maioria enfileiravam-se esperando o aguardado desfile dos que chegavam para a madrugada adentro. As mais trabalhadas no estilo eram aplaudidas em cena aberta. Havia ainda os gritos daquelas que entravam dando um pivô no corpo e, claro, batendo cabelo.

Só mais tarde, depois de ter trocados muitos e prováveis ardentes beijos com os passantes, que muitos entravam calibrados na pista. Nos anos 1970 e 1980, a New Aquarius era essencialmente democrática, reunindo artistas, diplomatas e todo rol de gente que fugia do tédio de Brasília. O rapaz do Setor O trocava olhares com o da Península dos Ministros sem ninguém ter que falar o ano do carro nem expor detalhes da viagem de férias. Ali, no gueto, podia-se tudo porque na vida real nem andar de mãos dadas era permitido ao casal que se apaixonava dançando Gloria Gaynor.

Um dos pontos altos da New Aquarius, eram os shows de travestis, transformistas e artistas entendidos no meio (termo usada na época). Há quem nunca esqueça de Elke Maravilha rodopiando loucamente no piscar das luzes nem de Rogéria interpretando intensamente uma canção em francês. Ou do fenomenal artista Eric Barreto, que dava vida à estonteante Diana Finsk e trazia à vida Carmem Miranda, número que o consagrou no Programa de Calouros, apresentado por Silvio Santos.

Há quem não se esqueça de Francis Taylor, artista que deu uma esquentada na noite de Brasília dos anos 1970. Ele dublava impensáveis canções para a noite gay como O Ébrio, de Vicente Celestino; Para Não Dizer que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré, Sonho de um Palhaço, de Antônio Marcos, e Aplausos, de Nelson Ned. Mudava de roupa e se maquiava no palco. Era, como se diz nos dias de hoje, um arraso.

As personagens da noite eram fantásticas. Um amigo se lembra de uma travesti negra e de 1,80m que parecia ameaçadora na porta, mas dentro da casa era “um doce de compota”, saía distribuindo bitocas nas amigas. Ou de um rapaz “boa pinta” que anunciava ser um influente assessor parlamentar. No truque, ele alterava o nome do congressista. Era capaz de, numa mesma noite, dizer para pretendentes três ou quatro nomes diferentes. Tudo era blefe. Tudo era show.

Momento de gala da New Aquarius era a noite dedicada ao Miss Gay DF, com desfiles em maiô, vestido de noite e traje típico. Cada cidade administrativa ganhava sua candidata que não necessariamente morava lá. E na falta de meninas algumas se candidatavam para disputar mais de uma região.

Numa noite marcante, uma delas se fantasiou de Catedral Metropolitana de Brasília. O rostinho da moça ficou miudinho dentro da réplica de 1,80m do monumento de Oscar Niemeyer. Alguns espectadores mais religiosos reagiram gritando “sacrilégio”. Mas a maioria teve uma crise de risos com a fantasia criativérrima.

A New Aquarius deixou saudades por ter sido um espaço autêntico de vida num Distrito Federal sufocado pelo poder. Testemunhou alegrias e dores, como a chegada avassaladora do vírus HIV, arrastando vidas e sonhos. Despediu-se de fato da noite dos anos 1990 e nunca mais Brasília teve um espaço tão acolhedor e familiar. Dali, saíram amizades e amores. Memórias que me ajudaram a construir esse relato.

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