Por que os artistas, como Roger Waters, lutam pela democracia?
O papel da arte é questionar o sistema político vigente e combater opressores. Assim, é natural que artistas se levantem contra o fascismo
atualizado
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Roger Waters aterrissa em Brasília neste sábado (13/10), trazendo o esperado show da turnê US + Them, que enfileira os maiores sucessos do Pink Floyd e de sua carreira solo. Não são só meramente canções. As ideias estão intimamente conectadas à trajetória de um dos mais importantes roqueiros do mundo.
A luta pela democracia, politicamente ameaçada neste começo de século, é uma das bandeiras de Waters. Estão nas letras, na atitude, na biografia (quando bebê, perdeu o pai na Segunda Guerra contra os nazistas) e no discurso antifascista.
Em São Paulo, Waters estampou no telão o nome do candidato Jair Bolsonaro e o associou a um neonazista ao lado de lista de líderes como Vladimir Putin, da Rússia, e Donald Trump, dos Estados Unidos. Depois, projetou a hashtag internacional #Elenão.
O protesto pegou alguns roqueiros de ocasião desavisados. Quem acompanha a carreira de Waters sabe que o posicionamento político é uma costura entre os hits. Faz parte da sua gênese de artista. Não poderia ficar jamais aliado ao status quo e às forças conservadoras, que marcam a plataforma política de Bolsonaro.
“Sei que não é da minha conta, mas eu sou contra o ressurgimento do fascismo por todo o mundo. E como um defensor dos Direitos Humanos, tenho o direito de protestar pacificamente sob a lei. Eu preferiria não viver sob as regras de alguém que acredita que a ditadura militar é uma coisa boa. Eu lembro dos dias ruins na América do Sul, e das ditaduras, e foi feio”
A atitude aguerrida de Roger Waters está na gênese da sua música. Em sua linguagem matriz, a arte quer e deseja se impor às estruturas dominantes de mercado e de opressão. O artista em si é um inconformado e está pronto para subverter modelos de organização da ordem.
Nesta semana, o mundo se chocou quando viu o famoso quadro Garota com Balão, de Banksy, ser arrebatado por R$ 5,1 milhões num leilão da Sotheby’s, de Londres, e, na sequência, ser fatiado em tiras. Golpe de marketing? Pensam os mais simplistas. Acho, sinceramente, tratar-se de um nocaute no mercado da arte, que monetiza todas as relações, mas é incapaz de ajustar a alma política do artista aos valores capitalistas.
Quando cria, o artista mexe com subjetividades. Está em jogo no processo caótico de criação não só linhas e influências estéticas, mas a sua percepção de homem diante de um mundo desigual. Uma obra de arte não foi feita para decorar a sala ou causar uma sensação de bem-estar numa galeria.
Essa sensação da arte como sinônimo de belo foi destruída no século 18. A arte foi concebida para captar mundos e inquietar os que ficam diante dela. E isso pode ser feito por muitos caminhos, alguns desestruturantes, com o movimento Dadaísta, por exemplo, que questionou o próprio sentido da arte às vésperas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
A condição humana do artista, suas dores e indignações, a sua finitude existência diante à vida e os conflitos com o mundo externo, são materiais tão fundamentais quanto as tintas ou um teclado de computador à sua frente. Assim, é natural que artistas se engajem contra ameaças democráticas, porque, sem democracia, não há possibilidades de livre criação.
Quando artistas nacionais e estrangeiros aderiram à campanha do #elenão contra a plataforma política conservadora de Jair Bolsonaro, estava em curso o exercício dessa prerrogativa de contestar o caminho de uma sociedade livre para um sistema que se anuncia cerceado por valores morais e bélicos. É uma inquietação existencial que não passa por interesses diretos de mercado.
Roger Waters pode até ter desagradado alguns de seus fãs e eleitores de Bolsonaro, que naturalmente passaram do aplauso às vaias. Mas colocou neles a indagação sobre a natureza política das propostas do candidato. Não importa o efeito prático dessa provocação. O voto pode até permanecer o mesmo. O importante é que cumpriu sua missão de artista: para além do entretenimento, pôs o pensamento político na ribalta.