Ponha Bibi Ferreira no altar: eis a maior artista brasileira em cena
Cantora, atriz, diretora é um fenômeno musical aos 95 anos de vida e 76 de carreira
atualizado
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Bibi Ferreira caminha devagarinho. Com um vestido vermelho longo, segue apoiada até o microfone. Tira Raul Seixas do baú de memórias e brinca com a idade. “Eu nasci há dez mil anos atrás e não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais”. Na última sexta-feira (09/06), estava recoberta por palmas num Centro de Convenções quase lotado. Mais de dois mil espectadores ovacionaram a maior artista brasileira em atividade. Não há como ficar impassível diante dela.
Bibi Ferreira aos 95 anos, com o corpo levemente debilitado e a memória pontuada por pequenos lapsos, é um fenômeno. Solta a voz sem idade e nos invade com um misto de emoção, agradecimento e orgulho. Como é bom ser brasileiro vendo Bibi Ferreira exercer a sua arte até quando o fio de vida correr, com dignidade, pelo seu corpo.
Somos privilegiados em estar diante de uma artista tão grandiosa, que canta em quatro línguas e nos faz sentir crianças que correm nos campos de sonhos. Bibi está em dias de glória. São 76 anos de carreira.Se existe algum brasileiro que não sabe a dimensão dessa brasileira, vamos elencar 10 motivos para colocar Bibi Ferreira em seu altar.
1) A carreira precoce
Bibi Ferreira era um bebê de 24 dias quando ficou diante do calor de uma plateia. Na peça “Manhãs de Sol”, de Oduvaldo Viana, tinha uma boneca em cena que sumiu nas coxias. Nos braços da madrinha e atriz Abigail Maia (inspiração para seu nome de batismo), ela foi levada ao palco. Com 3 anos de idade, estava em turnê com a mãe, Aída Izquierdo, na revista espanhola Velasco. “Bibi, devidamente maquiada e fantasiada de pérola, entrava em cena cantando e dançando zarzuelas e flamenco ao lado de Maria Caballé”, escreve a pesquisadora Deolinda Vilhena.
2) A estreia ao lado do pai
Um dos mitos do teatro brasileiro no século 20, Procópio Ferreira era dono de uma das companhias teatrais mais influentes do país. Consagrado de ponta a ponta no Brasil, com espetáculos marcantes como “Deus Lhe Pague”, de Joracy Camargo, uma das primeiras dramaturgias a refletir sobre a problemática social nos anos 1930. Bibi Ferreira estreia ao lado do pai em 1941 no papel da esfuziante Mirandolina, da obra “A Loncadeira”, de Goldoni. Um sucesso retumbante de público. A associação profissional entre os dois dura pouco. Procópio a faz ter carreira solo. Tempos depois, fazem juntos “Divórcio”, agora também como diretora, em “A Pequena Catarina”.
3) A companhia Bibi Ferreira
A atriz estreia como empresária com o morno texto francês “Sétimo Céu”, num ponto de intensas rupturas do modo de fazer teatro no Brasil. Contrata intérpretes modernos, como Cacilda Becker e Maria Della Costa, mas mantém um repertório conservador e pouco sintonizado com a busca de uma dramaturgia nacional. É dona de grandes sucessos de público e viaja o país com até cinco espetáculos no repertório.
4) A diretora
Bibi Ferreira torna-se uma das primeiras diretoras do teatro brasileiro ao lado de nomes como Ester Leão e madame Henriette Morineau. Estuda na Royal Academy of Dramatics de Arts, em 1946, e, quando retorna, dirige o pai em “Divórcio”. Nesse período, Procópio Ferreira vinha sofrendo severos ataques da crítica moderna que o singulariza como “o teatro velho” feito no Brasil. A peça “A Herdeira” lhe rendeu o primeiro prêmio em direção. Nos anos 1950, passa a ensinar o ofício de diretora na Fundação Brasileira de Teatro (FBT), de Dulcina de Moraes. Nos anos 1980, Bibi Ferreira vira uma febre na direção de espetáculos, alguns bem comerciais. Atividade que manteve com frequência até os anos 2000.
5) Os musicais
Depois de uma temporada em Portugal, Bibi Ferreira volta com tudo aos palcos brasileiros nos anos 1960, tornando-se a primeira atriz de musicais do país. Faz “My Fair Lady”, ao lado de Paulo Autran e Jayme Costa, conhecido como o maior rival de Procópio, e “Alô, Dolly”. Carismática, Bibi torna-se uma das apresentadoras mais amadas na década. Nos anos 1970, dois outros musicais a põem no topo: “O Homem De La Mancha” e “Brasileiro: Profissão Esperança”, de Paulo Pontes e Vianinha, que na versão com Paulo Gracindo e Clara Nunes torna-se um dos maiores sucessos do teatro nacional.
6) Gota D´água
O musical do marido, Paulo Pontes, e de Chico Buarque é o ápice na carreira de atriz de Bibi Ferreira. Como Joana, inspirada na trágica Medeia, arrebata público e crítica. Até hoje, quando faz os solilóquios da personagem nos shows, emociona a plateia.
7) Piaf
Bibi arrebatou o país com “Piaf”, em 1983. Ganha todos os prêmios da crítica. O impacto, para muitos mediúnicos, volta a colocar a atriz e diretora no lugar de grande intérprete nacional. A essa altura, Bibi Ferreira era também música.
8) O não às novelas
Bibi Ferreira negou-se, sucessivamente, a fazer novelas na Globo. Sempre alegava que não havia como conciliar o teatro com uma produção que lhe prendia por longos oito meses. Mas sempre se revelou uma fã dos folhetins. Recentemente, provocou polêmica ao anunciar que achou “nada agradável” o beijo entre as colegas de profissão Fernanda Montenegro e Natália Thimberg, na novela “Babilônia”. Na teledramaturgia, ela apareceu na minissérie “Marquesa de Santos”, da extinta Rede Manchete, como um exuberante e furiosa Carlota Joaquina.
9) Amália Rodrigues
Depois do furacão Piaf, Bibi Ferreira voltou a impressionar público e crítica com a homenagem à rainha do fado. Amália a escolheu depois de vê-la em apresentações em Lisboa. São viscerais os números de Bibi interpretando os fados de Amália.
10) Frank Sinatra e Lisa Minelli
Bibi Ferreira alcança o status de grande voz do jazz interpretando o repertório de Sinatra. Nos Estados Unidos, a cantora, hoje, é reverenciada como uma das grandes damas da música mundial. Na primeira vez em que se apresentou no Lincoln Center, em Nova York, Liza Minnelli estava na plateia e subiu ao palco para reverenciar Bibi. “Nunca vi nada igual e olha que já vi muita coisa”, sentenciou a atriz e cantora americana.