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Performance urbana mostra o quanto a Brasília monumental é opressora

Uma manhã na companhia Anti Status Quo, responsável pelo instigante projeto De Carne e Concreto

atualizado

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Performance Microutopias ASQ
1 de 1 Performance Microutopias ASQ - Foto: null

De dia ou de noite, a via N2 é meio fantasmagórica. É raro ver por ali o ser humano circulando pelas estreitas calçadas. Ladeada por monumento (como o Teatro Nacional Claudio Santoro), shopping (Conjunto Nacional), ministérios, edifícios do Setor Bancário Norte e sedes de instituições federais (mineração e Petrobras), a avenida reforça o clichê de quão sem vida é o espaço urbano da capital federal.

De olhos fechados e com o mapa de número 6 em mãos, ouço os sons que ecoam desse lugar. O relógio marca 9h30 da manhã de uma segunda-feira carregada de nuvens e respiro o ar do estacionamento do Centro de Dança. No exercício, escuto o intenso barulho dos carros que parecem ultrapassar os 60 quilômetros indicados. Capto também conversas sobre os comandos de um obra antes de ecoar o barulho ensurdecedor de uma escavadeira.

Toco numa planta de cor roxa que nasceu aos pés de uma árvore. Tem a textura de uma pele aveludada. Depois, procuro por um poste luminoso que foi engolido por uma copa de árvore. Vejo ainda um remendo no asfalto que eliminou um generoso buraco, que, antes, em dias de chuva, servia de bebedouros para pássaros e insetos diversos.

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A chegada ao Setor Hoteleiro Norte (opressão espelhada)
Dança em vãos (ensaios)
Escalada ao Teatro Nacional (ensaios)
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Bailarina dança com o Céu de Brasília

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A chegada ao Setor Hoteleiro Norte (opressão espelhada)

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Dança em vãos (ensaios)

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Escalada ao Teatro Nacional (ensaios)


Para vivenciar essa experiência, sigo as instruções contidas nessa mapa de número 6, entregue minutos antes pela diretora e coreógrafa Lucina Lara (Anti Status Quo – ASQ Cia. de Dança). Não estou sozinho. Somos em 12 e estamos integrando a experiência Microutopias Cotidianas Aglutinantes do Lugar, que deseja provocar outras sensações do partícipe com a cidade onde habita, estuda, trabalha ou visita.

Aos poucos, meu olhar está completamente descondicionado. Antes, a insípida N2 dá lugar para um espaço cheio de vidas e detalhes. Vejo a escala monumental dos prédios de Oscar Niemeyer na Esplanada. Lá está a semicircunferência do Museu da República Honestino Guimarães e, atrás, um prédio cheio de quadradinhos. Aos poucos, vou trocando leituras estratificadas por poéticas.

Nesse horizonte, surge um trio de bailarinos, que distorce seus corpos de forma descoordenada. Estão em um plano alto da N2 de maneira que transformam os motoristas dos automóveis em espectadores. Alguns freiam, olham e saem da rotina de ir e vir de uma segunda-feira com pancadas de chuvas e rajadas de ventos. Atrás desses artistas, a linha de prédios se transforma numa projeção de cenário. A profundidade de campo altera a relação descomunal entre as escalas do Plano Piloto e do ser humano. Ali, os três seres viventes parecem ficar par a par com os monumentos.

Os bailarinos dançam como se o céu fosse o partner. Surge uma humanidade dessa imagem e esse sentimento é emocionante

De tempos em tempos, um artista aparece vestido uma camiseta escrita “paisagem”. Reforça a ideia que precisamos olhar para o outro como outro, numa cidade em que é preciso suspender o pescoço para apreciar o belo arquitetônico. Alguns correm, atravessam a N2, riscando seu corpo no ar. Vamos caminhando. Sob viadutos, três bailarinas dançam atrás das pilastras.

Há imagens de cartazes com imensos olhos pregados no concreto que nem é mais cinza de tanta poluição emitida pelas descargas. Ali, um homem dança numa coreografia marcada pela velocidade dos carros, que lança seu corpo no ar como uma folha de papel. Mais uma vez, a cena mareja os olhos.

O que somos diante de uma arquitetura tão simultaneamente linda e opressora?

Como podemos ser vistos numa cidade de automóveis acima da velocidade permitida?

Os performers de Microutopias nos levam pelos vãos e subterrâneos da cidade. Sob chuva, descemos escadas do Setor Bancário Norte e ficamos diante de um descampado desolador, onde havia muitas árvores, que foram dizimadas para dar descanso a fúria dos carros. São troncos cortados e queimados sobre aquela terra vermelha que marcou a construção da cidade. Estranhamente, pássaros, muitos deles, visitam o espaço e cantam sobre o luto provocado pela devastação urbana. Três bailarinas dançam mais uma vez no horizonte. Todas essas informações juntas e misturadas como uma percepção única ao cérebro provocam poesia e dor.

Caminhamos pelos fumódromos, onde uma bailarina traga e dança, dança e traga ao lado de humanos que desafiam as novas regras de qualidade de vida e enchem seus pulmões com quase cinco mil tipos de toxinas. Antes de chegarmos pelo estacionamento do Conjunto Nacional, uma bailarina de camisa laranja escala os cubos de Athos Bulcão que interagem com a arquitetura do Teatro Nacional fechado, abandonado há três governos.

Subimos a escada que liga o Conjunto ao Setor Hoteleiro Norte. Nesse momento, estamos mergulhados dentro dessa experiência há 120 minutos. Somos levados para um mundo de hotéis, não sem antes passarmos por um escritório de vendas imobiliárias com a vitrine plotada por uma imagem de um homem de terno e gravata com mala em mãos olhando, com cobiça e ambição, para um mar de edifícios. De frente, um performer mimetiza essa imagem num duplo que põe ao chão essa gana por terra, que marcou toda a construção, criação e quase 59 anos de existência do Distrito Federal.

Chegamos então a uma espécie de praça sem vida humana qualquer, cercada de prédios de fachadas espelhadas de todos os lados. Os performers se aproximam todos de óculos espelhados. Em seus olhos, não somos refletidos de forma opressora. Só as imagens dessas construções sufocantes chegam à nossa retina. É o fim da experiência. Ou, melhor, o começo para repensar Brasília de outro jeito.

Quem é a ASQ:
Microutopias Cotidianas Aglutinantes do Lugar é o décimo primeiro trabalho da Anti Status Quo, que tem 30 anos de atividades ininterruptas. Hoje, o grupo é o principal nome da dança e performer do Distrito Federal. Um dos últimos trabalhos, De Carne e Concreto corre o Brasil e o mundo, numa potente discussão política do humano dentro do contexto avassalador do crescimento econômico. Protagonista dessa poética, Luciana Lara transformou-se numa das mais interessantes criadoras brasileiras, dentro do contexto da performance urbana, com um estudo sobre “o corpo e a cidade”. O entendimento do espaço público é feito como um jogo a ser movimentado pelos seus jovens performers, a cidade e os espectadores.

Como participar:
A segunda temporada será em março (18 a 23).
Para participar, é preciso mandar um e-mail para microutopiasasq@gmail.com
Horário: sempre às 9h30
Ponto de encontro: Centro de Dança do DF
Número de espectadores por sessão: 24 pessoas
Entrada franca, mediante agendamento, no e-mail

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