O teatro brasiliense amadureceu e ganhou ares políticos na UnB
A influência da Universidade de Brasília na formação da arte dramática no DF abre a série “Teatro 061”, escrita todo sábado neste espaço
atualizado
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Quando Brasília foi construída, o teatro brasileiro estava mergulhado na modernidade. Os grupos amadores, sobretudo, buscavam uma dramaturgia que refletisse a nossa realidade e exercitasse a arte como uma linguagem capaz de transformar o sujeito, tanto no ensaio, quanto no espetáculo. Não havia mais espaço para o dito “teatro das companhias”, como a de Dulcina-Odilon, que entrava em franca decadência frente à nova crítica brasileira.
Nesse festim moderno, a Universidade de Brasília (UnB) foi chave para a reflexão e a constituição dos primeiros passos do teatro brasiliense, em que pese o fazer teatral já estar espalhado pela capital inaugurada, ora por encomenda do poder público ora pela urgência de ser exercido, mesmo que de forma incipiente entre os servidores transferidos.
Em 1960, duas montagens marcavam as primeiras tentativas de produção local: “A Revolta de Brinquedos”, do grupo Teatro de Estudante de Brasília, que levava um grande número de espectadores ao Clube Teatro do Elefante Branco, colégio de vanguarda; e “Brasília Bossa Nova”, do servidor público Armando Oliveira, que, apesar de texto despretensioso, questionava o cotidiano dessa esquisita cidade, como a dificuldade de transporte público e a diferença de voltagem, um sério complicador à época.
É na UnB, no entanto, que o fazer teatral ganhava uma verticalização de pesquisa e de conhecimento. E todo um sentido político de se fazer teatro numa “cidade-bebê”. Nascida dentro de um modelo pedagógico livre e interdisciplinar, a faculdade trouxe as artes cênicas para dentro do campus. Havia o Instituto Central de Artes (ICA), que pulsava de ideias, linguagens e ideologias.
Antes do golpe militar e das sucessivas invasões que acabariam com o projeto de vanguarda de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, havia a intenção da UnB implantar o curso de teatro.
O ator e diretor Carlos Petrovich (consagrado, tempos depois, como artista ímpar na cena baiana) aportou na UnB com essa missão. Uma das primeiras ações foi uma série de conferências sobre a tragédia grega no Auditório Dois Candangos, que era o coração teatral no campus. O idealizador do Centro de Estudos Clássicos da UnB, Eudoro de Souza, leu a sua tradução do texto “As Bacantes” para universitários aficionados.
Era de Petrovich a encenação de “O Caminho da Cruz”, realizada no Auditório da TV Brasília, com texto de Henry Ghéon, criada com ares profissionais nunca vistos por aqui.
Montagens como “A Exceção e A Regra”, texto central da obra de Bertold Brecht, foram apresentadas para plateia que se apinhava no Auditório Dois Candangos. Alguns estudantes assistiam à peça pelas frestas das janelas do espaço.
Muitos espetáculos vinham de outras universidades, mas alguns eram montados por grupos formados dentro da UnB, por alunos, professores e servidores. As peças dirigidas por Roberto Gnatalli (sobrinho do maestro renomado Radamés Gnatalli e, hoje, um respeitado musicista), a exemplo de “Piquenique no Front”, do espanhol Fernando Arrabal, foram umas dessas produções.
Nesse período, estava circulando pelo ambiente experimental da UnB, uma usina de ideias chamada de Sylvia Orthof, que veio ensinar teatro, depois de passar pelo sisudo e profissionalíssimo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em companhia de Cacilda Becker, Tônia Carrero e grande elenco.
A diretora, atriz e escritora vai mudar todas as relações do teatro na cidade, trabalhando dentro e fora do campus, com operários ligados ao SESI de Taguatinga.
Sylvia investiu no teatro universitário e levou Brasília para o V Festival de Teatro de Estudantes (RJ), de Paschoal Carlos Magno, com o espetáculo “Cristo Versus Bomba”, em 1968, ganhando um destaque nunca visto nas páginas do jornais locais — antes o noticiário das peças se resumia a notinhas discretas.
Sylvia Orthof viajou sem ajuda financeira da Fundação Cultural do Distrito Federal e denunciou, no Rio, esse descaso. A montagem ganhou em primeiro lugar no certame artístico, levando a plateia juvenil a gritar “Brasília, Brasília, Brasília”. Foi a primeira consagração de uma peça concebida na capital fora das fronteiras do DF
O grupo Jograis do Teatro do Estudante era formado por Sylvia Orthof, que produziu, dirigiu, ensaiou e escreveu a peça. Ela estava ao lado de Luís Fernando Cosac (assistente de direção e cenógrafo) e de Sebastião Macedo (diretor musical). Uma das atrizes era Ana Maria Nóbrega Miranda, hoje destacada cronista e escritora.
A UnB serviu como amadurecimento político do teatro que queria ser brasiliense e já nascia combativo. As sucessivas invasões foram discutidas em cenas teatralizadas por alunos, servindo como um pulsante fórum de ideias. A repressão e perda de liberdade eram motes dramatúrgicos para reflexão
Antes do AI-5 acabar com toda forma de livre expressão e nos causar um prejuízo histórico descomunal, houve o I Seminário de Dramaturgia da Universidade de Brasília, em junho de 1968. Durante uma semana, discutiu-se da estrutura das peças à feitura dos diálogos, com ênfase na obra de Bertolt Brecht, além de um conferência sobre Edward Albee e a Dramaturgia Americana.
É lógico que Sylvia Orthof e o recém-criado Teatro Universitário de Brasília (TUB) estavam por trás desse movimento.
Mas esse é o assunto da próxima coluna, todinha dedicada à mestra Sylvia Orthof
FONTES:
Acervo do Correio Braziliense
“A Paixão de Honestino”, de Betty Almeida
“Histórias do Teatro Brasiliense”, de Fernando Pinheiro Villar e Eliezer Faleiros de Carvalho
“Panorama do Teatro Brasiliense em 1968”, artigo de Carlos Mateus de Costa Castello Branco, publicado na revista Intercâmbio
“A Cidade Teatralizada”, de Celso Araújo
“Educação Pela Arte: o Caso Brasília”, de Maria Duarte de Souza
“Canteiro de Obras”, Notas Sobre o Teatro de Brasília, de Glauber Coradesqui