O rapper X Câmbio Negro quebra jejum de 16 anos e volta com força e fé
Um dos cantores mais importantes do país retoma carreira e promete ser uma voz combativa ao conservadorismo
atualizado
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Ceilândia está no mapa mundial do hip-hop. Nos anos 1990, a banda Câmbio Negro colocou a cidade no holofote. Havia uma atenção especial para as letras e a forma do rapper X conduzir as rimas. A força do grupo abriu os caminhos para entendermos a black music brasileira do aqui e agora.
Essa importância é tão vital que a notícia do retorno de X Câmbio Negro ao universo musical foi festejada aos quatro cantos. Ele voltou, 16 anos depois, para mostrar a vitalidade de sua poesia, cada vez mais sintonizada com o Brasil em luta por justiça social, racial e igualitária.
É o meu retorno aos palcos, pois, a banda, como era formada, acabou. Volto com o sobrenome de Câmbio Negro. O caminho se deu naturalmente. Foi preciso recobrar a vontade de fazer mesmo sabendo o que vou enfrentar por aí. Sinto-me motivado, gostando novamente de produzir, ensaiar, compor e tudo mais.
X Câmbio Negro
X Câmbio Negro voltou com o videoclipe “Ninguém Toma”, uma espécie de batismo nesse caminho que se abre. O vigor da voz e as rimas estão na mesma potência. É emocionante vê-lo com a dignidade de sempre a comandar palavras de ordem contra o “sistema cabuloso”.
Cara, está mais estranho que o normal mesmo. Religiosos sendo eleitos para enriquecimento próprio e advogando em causa própria. Racistas e homofóbicos ganhando força sobre uma parte do povo desinformado. Muitos parlamentares querendo a extinção dos índios e a volta das senzalas e dos troncos.
X Câmbio Negro
O Metrópoles festeja a volta desse grande artista aos palcos com uma entrevista exclusiva.
Nesse Brasil esquisito de avanço de forças conservadoras, qual o papel da sua música nesse combate?
O que sente quando vê jovens curtirem o som do Câmbio Negro?
Acho muito bom que haja interesse nas gerações mais novas em conhecer o trabalho de quem veio antes. Independentemente de gostarem ou não. É necessário compreender para formar um pensamento crítico e, principalmente, respeitar.
Ceilândia ainda é uma potência nacional do hip-hop? Quem você curte neste momento?
Ceilândia faz parte da história do hip-hop nacional. Em 1990, levava, assim como até hoje, o nome da Ceilândia para todo o Brasil. Hoje, com a massificação da internet, o nome da Região Administrativa ecoa em várias partes do globo. É um orgulho saber que coloquei o nome da Cei no mapa. Preciso me inteirar mais sobre as novidades para poder falar. Como me afastei, não tinha muito interesse em ouvir coisas novas, até porque o pouco que chegava até mim era realmente lamentável.
O que o poeta X traz de novo nessa volta?
Trago minhas frustrações, inquietações, devaneios, indignação, conscientização, politização entre outras coisas. Ainda há muito a ser dito e feito.
Nesse tempo em que você ficou fora, compôs muito? O que vem aí junto com clipe?
Compus muita coisa. Bastante do que escrevi com o passar do tempo já não me agradava mais e joguei fora. Estou compondo novamente e com vontade e prazer de escrever. Junto ao clipe, vem o time de amigos profissionais que me acompanhará. Para 2018, novidades…
A postura do rapper nacional mudou do Câmbio Negro para cá. Emicida, Mano Brown, Criollo e MV Bill dialogam melhor com a MPB e a mídia. O lugar do hip-hop é fora do gueto ou ainda há a necessidade de ficar na raiz?
Sempre tive um diálogo bom com outros estilos musicais e com a mídia, porém, sempre escolhi e selecionei com quem me misturava e em que tipo de mídia apareceria sem perder minhas raízes. O lugar do hip-hop é em todo lugar, mas sem perder a raiz, a essência. Após mais de 16 anos afastado dos grandes shows, não é fácil retornar.
Tem medo de cobranças?
Cara, não tenho medo de cobranças. Fui cobrado desde o início da banda, chamado de traidor do movimento, dentre outras coisas. Mesmo quem me criticava, e critica, sabe que fiz e faço história. Inveja e incapacidade sempre existirão. Suba no palco após meu show e mantenha o mesmo nível para o público. A reação tem sido a melhor possível. No decorrer da minha trajetória, muita gente conheceu meu trabalho e respeita. Então, tem muita gente gostando e incentivando. Tá massa.
Um dos pontos tocantes do clipe é a benção que você recebe de uma ialorixá. Em tempos de intolerância religiosa, sua rima pode ajudar a estabelecer a paz?
Quis mostrar a minha realidade e a de muitos brasileiros praticantes das religiões de matriz africana, que estão sendo perseguidos, maltratados, ofendidos na mídia e nas redes sociais. Não sei se, por meio do vídeo e de meus sonhos, possa estabelecer a paz, até porque somos caçados há séculos. Agora, está mais explícito.
X Câmbio Negro é um homem de fé?
Um homem de fé na vida e nos Orixás. Fé em melhorias, respeito e igualdade. Véi… ser negro nesse país racista é difícil de ponta a ponta, mas faço parte de um povo que descende de reis, rainhas, guerreiras e guerreiros. Sou um homem de fé e de paz, mas estou preparado para o confronto e não ando só.