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No centro da polêmica, a cusparada já fez a festa dos brasileiros

Dercy Gonçalves pulou de figurante à estrela da comédia nacional a partir de improviso: um cuspe que caiu bem na careca de um espectador. Sem o peso do momento, emitir um jato de saliva ganhou o mundo pop dos quadrinhos e do humor

atualizado

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Reprodução
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1 de 1 mostra-Dercy-CCC-RJ - Foto: Reprodução

O cuspe virou ato político no Brasil. Desde o dia 17/4, aquele domingo dos “horrores”, quando o deputado Jair Bolsonaro fez ode ao golpe militar de 1964 e ao torturador o coronel Brilhante Ustra, o ato de emitir um jato de saliva contra o adversário virou alvo de aplausos, contestações, piadas e indignações. A ação do deputado federal Jean Wyllys ganhou eco quando o ator José de Abreu, alguns dias depois, foi ofendido por um casal de desconhecidos enquanto jantava em São Paulo. De repente, cuspir virou o verbo da hora espalhando conotações acaloradas.

Dercy e Pascoal em Os Pascoalinos

Cuspida pop
Nada comparado aos anos 1930, num Brasil que se descobria culturalmente. Ali, cuspir virou uma sensação pop. Tinha gente fazendo fila para sentar na primeira poltrona do teatro e receber o jato de saliva no rosto de uma estrela em ascensão: a inesquecível Dercy Gonçalves.

A atriz, comediante e vedete, percussora feminina do que hoje podemos chamar de stand-up comedy, descobriu o potencial midiático do seu cuspe na peça teatral “Minha Terra”, apresentada na Praça Tiradentes, no histórico espaço cultural Casa do Caboclo.

Dercy fazia a dupla Os Pascoalinos, com o comediante Eugênio Pascoal, e entrava em cena somente para atender um telefonema e chamar a personagem Durvalina. Chateada com a restrição da cena, entrou e se negou a falar o mínimo texto reservado.

Está Lá… Não é a Durvalina não. Somos eu que está aqui

Dercy

O público caiu na gargalhada. Dercy não sabia o que fazer e deu uma cusparada no chão. Como seus dentes eram separados, a cusparada saiu como um esguicho. Voou, passou por cima do fosso da orquestra e foi parar bem no meio da careca de um espectador. A casa veio abaixo de tanto rir

Boni

Dercy conta que o senhor se mijou de tanto rir e voltou dias seguidos, sempre sentando no mesmo lugar. E Duque, que coordenava o teatro, pediu para que ela repetisse o feito como uma marca. É claro que Dercy Gonçalves saiu de quase figurante direto para o estrelato, tendo o cuspe como uma onda que a elevou.

Nos anos de 1940, em shows que fazia no Rio, o cuspe era obrigatório. Reservamos a primeira fila com ingressos mais caros. Chegavam espectadores com aqueles carrões pretos só para receber a cusparada de Dercy em no meio da testa. Era uma festa.

Dercy

Na careca de Gê 

Edu Barroso/Divulgação
Adriana Nunes cospe em Gê Martú, no CCBB (2010)

 

Em Brasília, em 2010, Adriana Nunes viveu a cena do cuspe de Dercy Gonçalves no projeto “Mitos do Teatro Brasileiro”, da Criaturas Alaranjadas Cia. de Teatro (da qual faço parte). Ela fazia o papel de Cassandra Plicts, uma vedete que se passava por Dercy. Quem levou o jato de saliva foi Gê Martú, numa participação aplaudida de pé no teatro do CCBB.

Cuspo na sociedade
O cuspe, ação que marcou o movimento punk, invadiu os quadrinhos e o humor nos anos 1980.

No programa “Viva o Gordo”, Jô Soares e Max Nunes criaram Kid Frutuoso, um tipo impagável cujo bordão era “Eu cuspo na sociedade”. Ele comandava a banda Sangra, Sangra Hemorragia e tentava convencer a todos que tinha asco ao capitalismo selvagem. No entanto, não resistia a um bem de consumo posto na vitrine.

Somos todos Bob Cuspe
Um dos maiores cartunistas brasileiros, Angeli concebeu um clássico das Histórias em Quadrinhos, o também punk Bob Cuspe. O personagem era uma resposta aos excessos do mundo capitalista, que atingia o auge de hipocrisia nos anos 1980, por meio do deslumbrado movimento dos yuppies. Bob curtia Ramones, Ratos do Porão, Sex Pistols e The Clash, usava como figurino trapos e morava numa casa cuja porta era um bueiro. Hoje, certamente ele cuspiria nos fascistas que querem a volta da ditadura.

Acompanhe Angeli falando de Bob Cuspe.

Fontes de Pesquisa:

“Dercy de Cabo a Rabo”, de Maria Adelaide do Amaral.
“Mitos do Teatro Brasileiro”
“O Livro de Boni”, de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho.

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