Ney Matogrosso o furacão (quase brasiliense) que derruba os muros
O cantor se apresenta em Brasília neste sábado (16/4), às 21h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães
atualizado
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Ney Matogrosso não esconde a tristeza quando fica sabendo do muro erguido na Esplanada. Em seu tempo de vida e de batalha pela liberdade, nunca viu a população brasileira em campos opostos como neste momento. E tudo por causa de uma política que ele considera medíocre e aquém do que poderia de fato ser feito para transformar a nação.
Quando aterrissar em Brasília para o show deste sábado (16/04), no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, um dos maiores intérpretes do país não tem como esconder a preocupação com os rumos de um Brasil em nítido retrocesso. A moralidade, a intromissão da religião no estado e a ameaça a conquistas históricas das minorias deixam o artista, transgressor em sua gênese, em estado de alerta. Aos espíritos sombrios que pairam sobre a liberdade individual, ele avisa.
Temos direitos adquiridos na marra e não vamos abrir mão de nenhum deles
Ney Matogrosso
Choque elétrico
O tempo fecha quando qualquer ameaça afeta esse território sagrado marcado de forma especialmente simbólica. Quando surgiu, com o corpo masculino seminu recoberto de purpurina e maquiagem, vivíamos num país amordaçado pelo regime militar. A energia andrógina de Ney era como um choque elétrico num Brasil brutalmente masculinizado.
De um lado, estava “a direita” calçada de botinas, que torturava e eliminava os opositores. Do outro, “a esquerda” que pegava em armas para libertar um povo vidrado em futebol e nas novelas. Por essa brecha, escorreu a alma feminina-masculina de Ney, que requebrou os quadris e sacudiu a caretice. Lembrar-se desse papel histórico talvez permita entender por que Ney Matogrosso considera essa polarização de 2016 cafona.
Sempre em frente
Ney sempre esteve para além do seu tempo. Isso explica por que o show “Atento aos Sinais”, que comemora quatro décadas de estrada, não olhe pelo retrovisor. O repertório reflete a qualidade e a importância do “aqui e agora” para o cantor. Há nesse tempo imediato, matrizes fundamentais para o canto de Ney, como Itamar Assumpção, Caetano Veloso e Paulinho da Viola; e apontamentos para a inquietação crescente de artista, a exemplo de Dani Black, Crioulo, Beto Boing.
Estou há nove anos trabalhando nesse repertório, que fui formando sem o objetivo de fazer um disco comemorativo. Foi um caminho natural até chegar à ideia de celebração
Ney Matogrosso
Teatralidades
Bicho do palco, com domínio ímpar sobre a teatralidade de cena, Ney concebe um show que é um deleite aos olhos dos fãs, acostumados aos esmeros de luz, figurino, cenário e virtuose da banda.
O que chama atenção nesse espetáculo é o uso da tecnologia. Nunca tinha trabalhado com tantos recursos de projeções
Ney Matogrosso
Brasília afetada
A volta a Brasília é sempre simbólica para Ney, que aqui se desenvolveu como artista antes de migrar e iniciar a carreira como vocalista dos Secos & Molhados.
Foi numa Universidade de Brasília (UnB), ainda não golpeada pelos militares, que ele imergiu no meio teatral e musical, em aulas livres. Lá, cantou pela primeira vez música popular brasileira, num show, com universitários mineiros. Por ali, estava Paulinho Machado, de quem mais tarde Ney gravaria um de seus maiores sucessos, “América do Sul”.
Discos voadores
A vida artística era dividida com a rotina do Hospital de Base, onde teve contato singular com a ala de pacientes terminais, experiência que o transformou profundamente. Chegou a usar a habilidade em desenho para fazer gráficos cardiológicos.
Quando eu olho para este Ney em Brasília o vejo como um jovem simples, que viveu e caminhou naturalmente. Estava ali interessado em tudo, até nos discos voadores
Ney Matogrosso
Um deles, Ney viu no céu de Brasília, tempos depois, num show de aniversário da cidade. Ele apareceu como uma lua cheia e, depois, numa troca de figurino, sumiu misteriosamente.
“Atento aos Sinais” deve encerrar turnê no segundo semestre nos países sul-americanos. Depois, Ney vai dar uma paradinha, respirar e deixar que a vida lhe coloque diante de uma nova empreitada artística.