Negras e empoderadas: Taís Espírito Santo luta contra a intolerância
Devota do candomblé, ela administra aplicativo que permite ao usuário denunciar abusos religiosos. É também o braço direito de Elisa Lucinda
atualizado
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Quando avistei Taís Espírito Santo, estava aparentemente afoito. A imagem dela, com um vestido verde da cor do mar, paralisou-me. Na minha mente, puxei a voz de Caetano Veloso. A música veio como um perfume que enchia de paz aquele momento.
“É negra, é negra, a sua presença. Pelos olhos, bocas, narinas e orelhas, a sua presença. Paralisa meu momento em que tudo começa a tua presença. Desintegra e atualiza a minha presença”
Dona de uma calmaria, Taís é uma rainha preta contemporânea, administradora de um aplicativo para o brasileiro denunciar crimes contra as religiões de matrizes africanas. É também a mulher que cuida de cada passo da carreira de uma das mais influentes personalidades negras deste país: a poeta, atriz, escritora e performer Elisa Lucinda, a qual tenho a honra de dirigir em “L, O Musical”.
Taís é um orixá
Elisa Lucinda
A mulher-menina de 30 anos ri dessa definição. Ela sabe o quão é divino ser orixá. É vento, é tempo, é maremoto, é calmaria.
É uma honra ser chamada por orixá. Mas sei que não sou. Orixá é divino. Sou humana
Taís Espírito Santo
Taís é filha de Oxalá e Iemanjá. Neste ano, consagrou-se no candomblé como ekedi de Logunedé. Tem uma missão na religião e na vida. Luta contra o racismo que oprime o povo preto. O aplicativo “Oro Orum – Axé Eu Respeito” é estratégia no front dessa batalha, que se estende por um cotidiano de presença e de afirmação da sua pretitude, como ela define.
Quando mulher jovem e preta, eu não tinha a autoestima que tenho hoje. Não sabia meu espaço nem meu lugar. Desde pequena, tive conhecimento. Meus pais falavam da importância do negro e sobre o que eu poderia passar. Hoje, sei quem eu sou e nada vai me tirar desse lugar.
Às vezes, em alguns eventos em que participa, Taís é a única negra. Fica incomodada com a ausência. Quando sai dali, corre e avisa aos amigos: “vocês precisam ocupar os espaços”.
Filha de professores (pai mineiro, mãe carioca), Taís sempre estudou em escolas particulares. O pai preto era diretor do colégio e sempre a encheu de sonhos.
Cresci com muito afeto da minha família, carinho desse pai preto amoroso. Na escola, havia pouca representatividade negra
Taís Espírito Santo
Taís estuda turismo, laborou com cerimonial e planejava ir para a Irlanda fazer intercâmbio quando se inscreveu para participar de um processo seletivo para trabalhar com Elisa Lucinda. Tinha 24 anos, chegou lá um tanto tímida e deve ter ganhado o cargo quando respondeu a uma inusitada pergunta que selou o destino das duas. “Como é a sua gaveta de calcinhas?”
Tinha acabado de arrumar minha gaveta de calcinhas. É um gavetão: bem dividido, as maiores para o cotidiano e as menores, para casos mais íntimos. Falei com toda calma do mundo
Taís Espírito Santo
A naturalidade de Taís conquistou Elisa Lucinda. As duas têm a sensação que se conhecem há tempos. Uma ligação ancestral. Taís mexe com tudo na vida da atriz. É assistente pessoal, cuida da agenda, mexe com contratos, pagamentos. Elisa dita crônicas e capítulos inteiros para ela escrever.
Taís é cronista, escritora, dá palestras e está presente no circuito intelectual de mulheres negras do Rio de Janeiro. Quer se enveredar no mundo das letras.
Com Elisa, aprendi a escrever e a ler bem melhor. A correr atrás dos meus sonhos. Essa mulher tem uma energia incrível. Comigo, Elisa aprendeu a ter mais paciência, calma. Sou esperançosa. Acho que, até o minuto final, tudo pode ser resolvido
Taís Espírito Santo
O aplicativo “Oro Orum – Axé Eu Respeito” foi criado pelo jovem negro Leonardo Akim, 24 anos, e significa “Força do Céu” em iorubá. Permite mapear, denunciar, registrar e criar estatísticas sobre casos de violência contra religiões afrobrasileiras e está disponível para Android