Moacyr Franco já te ligou hoje? O irritante telemarketing de artistas
Contratados pela milionária indústria de vendas, personalidades desgastam suas imagens com mensagens que invadem a privacidade
atualizado
Compartilhar notícia
O telefone toca às 6 da manhã. Meu coração dispara. Estou desacostumadíssimo a ouvir a companhia tocar. Santa tecnologia. O clima é de “Disque M para Matar”, aquele palpitante filme de suspense de Alfred Hitchcock. A cabeça vira um turbilhão.
Clonaram meu cartão de crédito? Alguém foi sequestrado? Céus, algum ente querido virou ser de luz e foi brilhar no Universo?
O caminho da minha cama até a estante da sala, onde repousa o telefone, parece uma interminável caminhada de protesto pela Esplanada. Trêmulo, tiro o aparelho do gancho, digo um mórbido alô e, para minha surpresa, do outro lado da linha ouço a voz de felicidade do Moacyr Franco, de 81 anos, nascido em Ituiutaba (MG), um querido e respeitado artista.
Há uma quinzena, Moacyr tem me ligado diariamente em horários diversos. Não conversamos sobre sua trajetória de cantor, aliás que voz linda e doce. Como gostaria de dizer a esse celebrado intérprete o quanto meu pai adorava a canção “Balada Número 7”, em homenagem a Mané Garrincha.
Lembro-me de meu pai cantarolando a música-poema na varanda de casa. Poderia ainda falar sobre “Turbilhão”, marcha-rancho que se tocava nos bailes mascarados de um extinto carnaval de Salvador. Sem falar em “Seu Amor Ainda é Tudo”, que amo e Moacyr sempre cantava no “Programa da Hebe”. Eita, nostalgia!
Ah, Moacyr que tal conversamos sobre a sua importância como apresentador que revelou talentos como as irmãs Rosana e Isabela Garcia no “Moacyr Franco Show”, na TV Globo, uma espécie de “Faustão” da época?
O programa era ótimo, cheios de artistas de novelas e tinha uma vinheta incrível. Gente, e o mendigo que Moacyr fazia em “A Praça é Nossa”? Quanta história! Outro dia, descobri que Paula Fernandes e uma penca de sertanejos colecionam sucessos gravados de Moacyr Franco. E tem mais: o cantor, um dia, foi deputado federal e teve uma experiência tida, por ele, como infeliz em Brasília. Olha só, quanto assunto poderíamos ter ao telefone!
Mas não. O Moacyr que me liga faz um monólogo robótico. Parece feliz (Será?). Tenta-me convencer a comprar uma pílula que vai me garantir uma velhice estilo Dona Benta (Tédio!). Tento dialogar com ele. Faço perguntas em vão. Ele não me ouve e se repete dia sim, dia também, como se fosse uma loucura diária. Trabalha para uma indústria de milhões.
Porra, Moacyr Franco, que m…!
Outro dia, estava trabalhando concentradíssimo quando o telefone disparou a tocar. Lógico, era Moacyr. Desesperei-me. Naquele momento, queria encontrar uma reza, uma mandinga ou até um ponto de macumba que fosse para Moacyr deixar de me ligar. Pedi ajuda aos meus amigos virtuais e, boquiaberto, descobri que a maioria também é atormentada não só por Moacyr, mas por Hortência, Sérgio Reis, Fafá de Belém e até Michel Teló.
Arregalei os olhos e pensei como tudo poderia ser pior. Já pensou Fafá de Belém me ligando para vender sua pílula e, ao final, cantarolando o “Hino Nacional? Me bata um abacate!”
É complexo esse deslocamento do artista do âmbito de admiração para o da rejeição. Todos nós colecionamos terrores com a experiência de telemarketing e aquelas musiquinhas infindáveis que nos tiram a atenção, deixando o arroz queimar na panela. Até que ponto um gordo cachê cobre essa irritação nacional?
Vi que Moacyr Franco ganhou uma comunidade nada agradável no Facebook. É também motivo de reclamações no Procon e de piadas implacáveis.
Desculpe-me, mas vou ter que encerrar esta coluna por aqui. O telefone está tocando…
Porra, Moacyr… Que m…