Detrito Federal. Lixo luxuoso transforma Brasília numa horripilante loja de departamentos a céu aberto
Tem de tudo pelas ruas do Distrito Federal. De aparelho de tevê a carro sem portas. Eletrodomésticos são descartados com a mesma naturalidade de uma garrafa pet
atualizado
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No meio do caminho, havia uma televisão, um carro, algumas cadeiras de escritório, uma pia de louça, dezenas de sofás e todo tipo de eletroeletrônico. Nos últimos dois meses, circulei por Brasília e pelas cidades do DF para registrar uma paisagem que machuca. Violenta não só os olhos, mas, sobretudo, o meio ambiente e a sustentabilidade das comunidades.
Se não bastasse ter o maior lixão a céu aberto da América Latina, a 15 quilômetros do Palácio do Planalto, na carente cidade Estrutural, o Distrito Federal produz um perigoso lixo luxuoso, cheio de cavidades para o aninhamento e a proliferação do mosquito Aëdes aegypt.
O que está descartado nas ruas da capital não se trata de um lixo qualquer. Representa o que foi vencido pela tecnologia, pela baixa qualidade da fabricação em série e pela política do descarte, atrelada ao consumo desenfreado que movimentou o Brasil nos últimos 12 anos.
Natal gordo
Lembra-se daquela imagem de um Natal de fartura, no qual as pessoas, com cara de felicidade, carregavam os eletrodomésticos tirados diretamente da loja? A cena é recente e faz parte de um imaginário de crescimento econômico fulgurante e atrelado ao desejo salutar de ter tudo do bom e do melhor em casa.
O problema é que esse “tudo”, por vezes, tornou-se redundante e não foi planejado. Compra-se por comprar, porque está fácil e dividido em parcelas a perder de vista. Quer um exemplo? A corrida para equipar a cozinha com o espremedor, o liquidificador, o mixer e o superprocessador. Juntos, todos unidos na missão de produzir um suco de frutas.
Sofás no Guará
Ás vezes, resolve-se ligar todos os equipamentos durante o dia e, a taxa de consumo de energia elétrica eleva-se a uma das maiores do mundo. O que não se esperava era a falta de chuva, a seca dos reservatórios e a crise enérgica. A tarifa na conta de luz ficou com a bandeira vermelha. A solução: guardar o pool de eletrodomésticos naquele armário de ex-novidades.
Aparelhos de tevê condenados
O que vai acontecer com os aparelhos de tevê analógicos em abril de 2016?A partir desta data, no DF, não haverá mais sinal analógico. Será que as pessoas vão se conformar em comprar o conversor e manter o caixote, símbolo de uma tecnologia vencida? Ou vamos jogar o antido espelho mágico ao deus-dará e correr para adquirir a tela plana dos sonhos?
Neste Natal das lembrancinhas, sem subvenção de impostos para trocar a máquina de lavar e a geladeira que ainda funcionam, o lixo luxuoso que ocupa as ruas do DF narra a melancólica história deste Brasil da gastança sem freios.
Da festa que fizemos nos últimos anos à busca desenfreada por produtos que quebram com pouco mais de um ano de funcionamento. Não é à toa que as lojas oferecem a garantia estendida, porque o liquidificador de R$ 39,90 só vai durar exatos 365 dias se o consumidor pagar o valor da oferta. Consertá-lo talvez não valha a pena. Então, o lixo parece ser o caminho inevitável. Porém não há descarte planejado.
Ainda não somos educados o suficiente para separar o nosso lixo seletivamente. Assim, transformamos o DF numa horripilante loja de departamentos a céu aberto.
Para refletir. Confira o premiado curta-metragem “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado