Iara Pietricovsky é ícone da primeira geração de intérpretes do DF
Série Teatro 061 destaca a trajetória da atriz, antropóloga e ativista política, que sintetizou no corpo a singularidade do teatro candango
atualizado
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O teatro transformou profundamente a mulher, a artista e a cidadã Iara Pietricovsky, hoje uma voz politicamente potente contra as mazelas do sistema capitalista. Foi, no palco de uma Brasília sitiada pela censura da ditadura militar, que ela compreendeu a dimensão revolucionária de emprestar seu corpo-voz para a liberdade das ideias. Tornou-se um símbolo para pensarmos num teatro essencialmente brasiliense.
Nos anos 1970, Iara e seus pares combatiam a ditadura militar no ofício artístico. O teatro e a participação nos palcos eram formas de protesto e de contestação.Sem passar pelo palco, jamais teria a sensibilidade de notar a importância de como uma expressão artística sai da racionalidade cartesiana e amplia o alcance de mobilização por outros canais
Iara Pietricovsky
Não se falava abertamente, mas se usava o corpo e o comportamento para protestar
Iara Pietrocovsky
Iara faz parte da primeira geração de artistas formados e forjados em Brasília. Um teatro que foi carregado pelos ombros, em seus primeiros momentos de vida, por mulheres fortes – Sylvia Orthof, Golda Pietricovsky (mãe de Iara) e Laís Aderne.
Menina de 6 anos de idade, quando essas matriarcas lideraram o movimento de semeadura, Iara pegou o bastão e seguiu pelas décadas seguintes, bem mais masculinas com a chegada de diretores fortes, como o uruguaio Hugo Rodas.
Em sua aparição mais madura, Iara aos 21 anos fez o Teatro Galpão lotar sucessivas vezes com “O Exercício”, de Lewis John Carlino. A primeira versão tinha direção de Dimer Monteiro, seu colega no vanguardista curso Pré-Universitário. Ali, Iara contracenava com João Antonio. Na segunda montagem, B. de Paiva (que fez a primeira versão desse texto com a dama Glauce Rocha) assumia a direção e Iara dividia a cena com o amigo de geração Guilherme Reis.
Inquieta, Iara estava em busca de uma identidade para o que deveria ser o diferencial do intérprete brasiliense. Corria atrás do que soava moderno e inovador. Assim entrou no efêmero grupo Mientras, formado pela bailarina Delphi Vasnof, que veio morar em Brasília, na segunda metade da década de 1970, porque era casada com um diplomata norte-americano.
Era um grupo que duraria o tempo em que Delphi morasse em Brasília. Fizemos uma apresentação histórica de dança dentro da Catedral. Foi numa comemoração informal do Mientras que Hugo Rodas adentro no salão. Apareceu do nada e formamos ali uma possibilidade real de inovação teatral
Iara Pietricovsky
O encontro com Hugo Rodas proporcionou a Iara o aprofundamento de interpretação corporal intensa. Ela integrou as primeiras experiências com o diretor uruguaio, entre elas, a marcante montagem “Saltimbancos”, na qual fez A Gata. A partir da experiência com Hugo, Iara vislumbrou uma experiência de atriz fora do Distrito Federal.
No anos 1980, sob direção de Antonio Abujamra, e integrando o Núcleo de Repertório do TBC, Iara despontou como uma atriz de força cênica singular nos palcos paulistanos em peças como “O Jogo”, sua atuação elogiadíssima ao lado de Françoise Forton. E em “A Serpente”, de Nelson Rodrigues, pela qual Iara foi indicada, em 1986, ao Prêmio de Melhor Atriz da Associação Profissional dos Críticos de Arte (APCA).
Sem deixar de se associar ao trabalho de Hugo Rodas, seguiu nos anos 1990 e começo dos 2000, como atriz de A Companhia dos Sonhos, com trabalhos maduros do diretor uruguaio, como “Arlequim, o Servidor de Dois Patrões”, e “Rosanegra – Uma Saga Sertaneja”, ambos viajaram o Brasil com grande repercussão de público e crítica.
Sou uma atriz de Brasília. Constituída neste lugar
Iara Pietricovsky
Na infância, a menina Iara Pietricovsky viu Brasília se erguer em lacunas: prédios e espaços vazios de terra vermelha. Quando chegou aqui, tinha 6 anos e cresceu vendo a cidade em mutação. Talvez, esse signo de transformação a tenha feito entender o quão poderia se sentir identificada com a capital.
Iara vem de uma família que tinha a cultura e a educação como pilares de formação. A sua mãe, Golda, uma das entusiastas do teatro feito na cidade em seus primeiros passos, era uma espécie de conselheira de Silvia Orthof, artífice do teatro brasiliense. As duas participavam de um programa pioneiro de teatro para criança, “Teatro Candanguinho”, na TV Brasília, e Iara estava nessas primeiras plateias, vendo tudo com olhos encantados.
Com 12 anos, Iara viu uma apresentação de “Sonho de Uma Noite de Verão”, um dos clássicos de Shakespeare, na Escola Parque, e sentiu uma felicidade imensa que a impulsionaria mais tarde ao palco. Estudou no CIEM (Centro Integrado do Ensino Médio), experiência de vanguarda da UnB, onde se aproximou de Laís Aderne e Lauro Nascimento. Integrou o elenco de “O Auto da Camisa Listrada”, uma das primeiras dramaturgias feitas na cidade, assinada por Lauro Nascimento. Estreou nos palcos aos 15 anos.
Com uma história inigualável nos palcos da cidade e do Brasil (são mais de 50 espetáculos), Iara Pietricovsky segue com uma importante papel no ativismo político. Formada em antropologia e mestra em ciências política, integrou, por exemplo, a 5ª Conferência sobre Mudança de Clima (em Copenhague).
À frente da ONG Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), faz seriíssimo trabalho com adolescentes da escola pública de setores periféricos à capital.
Sou movida a arte, a cultura e a política. O teatro me deu chão, identidade e tudo que eu poderia ser
Iara Pietricovsky
Em breve, Iara voltará aos palcos. Contemos os dias.